domingo, 13 de fevereiro de 2011

Feliz Natal

Era onze horas quando eu embarquei no trem. Trem não: ônibus! Se eu perdesse aquele ônibus, que saiu onze horas, só no outro dia de manhã. E quase perdi mesmo. Sorte a minha que o taxista furou todos os sinais vermelhos. Depois de boas oito horas de viagem eu desembarcava em Natal. Natal é uma cidade linda e limpa. “A noiva do sol”, como é chamada, parece mesmo ter o astro como amante. Cheguei sete horas e a sensação térmica era de meio dia. O táxi me levou até a vila de Ponta Negra, que era mesmo uma vila de pescadores. Antigamente era. Hoje em dia é point de turistas. Abriga a praia mais bonita da cidade (segundo o taxista) e é onde tem um aglomerado de baladas. A Vila Madalena de Natal. A Savassi de Natal. A minha rua não parece ser nada point. Tranquila, parece essas ruelas de cidade de litoral bem pequenininhas, com areia na calçada e casas com portões simples de madeira pintada. E é bem assim, com rede, churrasqueira e ducha no quintal que a república onde moro se apresenta. A casa é grande e comporta 14 universitários de todo o país. A maioria fazendo mobilidade em graduação ou mestrado. Assim como eu. Tem mais meninos que meninas. Eu e Sarah somos os homenzinhos da casa (as outras meninas ficam em suítes individuais no quintal). Em uma semana fizemos amizade e já sei muito da particularidade de cada um. Os dias são cheios, por causa do trabalho. Mas chego em casa e tiro o atraso do dia de labuta. Aqui, os vários sotaques se misturam e podemos ouvir até paraibano dizendo “trem”. Uma doidera. Essa nova vida é demais. Vira e mexe me pego com um sorriso paralisado no rosto que denuncia o que para mim já é óbvio: estou absolutamente feliz. Obrigada, Santander.

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Fortaleza

O banho frio é sempre compensado pela vista para o mar. Fortaleza é um pit-stop antes de chegar em Natal. É o início. São as primeiras impressões(ainda que talvez sejam as segundas, se eu decidir contar com minha experiência paraguaia) do que será essa vida de novo nova. O apartamento onde moro é pequeno. Uma sala/cozinha, um quarto, um banheiro e uma varanda. Moramos quatro aqui. Soraia (a Sol), Luíta (Lulu, filha da Sol) e Manuela (a Manu, cachorra e filha da Sol e irmã da Lulu). As meninas me ensinaram que eu devo passar protetor solar no rosto antes de sair de casa. São fãs de comédias românticas, que eu usufruo com o maior prazer. Em breve, quem sabe, estou até chorando com os finais emocionantes, regados de certezas que o amor existe. As meninas funcionam como família. Me sinto em casa, afinal, essa é minha casa, ainda que temporária. Os meus dias são rotineiros, mas cheios de novidades. Geralmente é assim: acordo, trabalho, saio para caminhar na beira-mar, banho e saio (sempre tem alguma coisa para fazer). Aqui em Fortaleza eu convivo com muitas pessoas itinerantes, como eu. Gente que já morou em vários lugares, já viram várias coisas e desembocaram aqui, por algum motivo qualquer. Acho graça de pensar que eu sou uma das mais inexperientes quando o assunto é viver o mundo. Se o pessoal de BH horroriza comigo, ficariam chocados com a Rê, por exemplo. A Regilene é quem me treina na empresa. Loira, linda, divertida e inteligentíssima, saiu de casa aos dezesseis anos e nunca mais voltou. Foi “descoberta” pelo Malé em Belém, e logo foi cobiçada para exercer um cargo de confiança aqui no Ceará. Antes, passou por meia dúzia de cidades brasileiras, “armando acampamento” nelas, deixando um pedaço dela lá e trazendo outros pedaços alheios na bagagem. Um amigo uma vez me disse que todas as viagens ou são fugas ou são buscas. Acho que quando preenchi Natal em minha ficha de inscrição para mobilidade acadêmica, apenas pensava em fuga. Voar vários quilômetros e sumir. Me afastar da mesmice mineira, me aventurar, respirar fora do circuito savassi de ser. Talvez fugindo de mim mesma. Muito provavelmente fugindo de mim mesma. Hoje, sentada aqui na varanda e escrevendo, olhando o mar bonito estourando do meu lado esquerdo, acho que está sendo uma fuga muito bem sucedida. Deve existir uma terceira (ou quarta) opção na teoria do meu amigo: fugas que viram buscas, buscas que viram encontros, encontros que viram escolhas de vida. O plano inicial é ficar seis meses. Ainda nem cheguei a Natal. Sinceramente? Acho que seis meses podem virar mais seis meses. Afinal, o banho frio é compensado pela vista para o mar.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Paraguay XII ''quase como de repente, sem prazo determinado''

Sempre no fim de ano, no réveillon, temos mania de fazer piadinhas bobas com o fato do ano estar quase no fim. Coisas realmente sem-graças como ‘’essa é última vez que eu tomo refrigerante esse ano’’ ou ‘’ tomarei banho agora só ano que vem’’. Estou lembrando disso porque aqui estamos assim, como se fossemos virar o ano em poucos dias, e estamos fazendo tudo pela última vez, listando mentalmente quais serão os últimos respiros de Paraguay. A última ida à Ciudad Del Este (assumindo o meu lado sacoleira ), o último lomito árabe, a última ida no mercado quatro, no Asunción Super Centro (ódio desse lugar), na faculdade, a última saída com Dani, a última brincadeira com Tobias, a última ida de madrugadona ao mercadillo, o último acidente de percurso (que foi torcer o meu pé), o último post para o blog. Última semana, ainda mais assim, tão perto do natal, é uma correria danada. Deixei todas as compras que queria e tenho que fazer para última hora e agora estou tendo que me desdobrar pra dar conta de tudo. Hoje por exemplo fui me vacinar contra febre amarela, que preciso porque já faz dez anos que me vacinei. Assim, vence e eu posso ter problemas pra viajar. Sei que isso, que devia ser algo simples, acabou virando um stress. Cheguei no posto de saúde e me disseram que só vacinavam contra febre amarela nas segundas-feiras (quem intitulou a segunda como dia da febre?). A enfermeira me disse então que eu devia ir até o ministério da saúde. Depois de tomar o coletivo errado e parar em Luque (que é uma cidade perto de Asunción), tive que pegar outro busão até o ministério. Chegando lá, não tinha ninguém na recepção nem em lugar nenhum, fora um murmurinho que vinha do andar de cima. Um moço apareceu e perguntou o que eu queria e, depois de minha breve explicação, assumiu que eu tinha escolhido um dia ruim. Todos os funcionários tinham parado de trabalhar depois das onze horas para o almoço de fim de ano. Eu entrei em desespero, comecei a explicar que tinha que me vacinar de qualquer jeito senão não poderia viajar, etc e etc e tal e o homem disse então que ia ver o que faria. Eu estava a meia hora esperando quando apareceu um rapaz e me disse que eu não seria atendida se não subisse lá no almoço e fizesse uma ‘’greve’’ na porta da sala de vacinação. Segui seu conselho e subi. No andar de cima tinha uma mesa gigantesca improvisada, com umas cem pessoas almoçando e fazendo aquela farra. Simplesmente quase todo mundo virou a cabeça para me olhar quando apareci pela escada. Uma intrusa, uma paciente no lugar errado, na hora errada. Eu, claro, fingi que nem era comigo. Perguntei pra um cara que estava filmando a festa onde ficava a sala de vacinação e ele me apontou, meio sem entender. Quando estava indo em direção à tal sala, duas mulheres começaram a dizer que eu devia voltar outro dia, que ninguém estava trabalhando .Insisti no meu drama que tinha que tomar a vacina de qualquer jeito. Sei que na confusão apareceu um doutor e pediu para eu esperar um pouco na tal sala. Vieram duas enfermeiras-anjos que caíram do céu e me vacinaram, em exatos 4 minutos e me liberaram, sem perder o bom humor e voltaram para a festa, enquanto eu voltei pra casa. Exausta, mas aliviada (e vacinada!).
Falando em natal...é natal em Asunción. Enquanto eu percebo que chegou o natal pelas vinhetas da rede globo (hoje é um novo dia de um novo tempo...) os paraguayos devem perceber pelo início de vendas de presépios nas ruas. Em toda esquina tem gente vendendo presépios, de tudo quanto é tamanho e cor, com manjedouras feitas de madeira e palha. Também vendem uma flor muito esquisitona, oval e muito comprida, que chamam de flor de coco. O ‘’bicho’’ tem uma casca dura marrom meio aveludada e quando você passa a faca de um lado ao outro ela vai se abrindo aos poucos e revelando o seu interior, com um tipo emaranhado de trigo e um cheiro gostoso. Aqui todos dizem que esse é o cheiro do natal e em toda casa tem dessa coisa. Eu sei que parece uma coisa de outro mundo. Mas a verdade é que para mim foi mesmo. Nunca tinha visto esse trem na vida. Fui ver pela primeira vez quando trouxeram aqui em casa, somando com os outros preparativos natalinos. Na minha casa está tudo muito natalino. Árvore enfeitada, corrimão idem, sacolas dependuradas na parede cheias de presentes (tipo essas meias dos norte-americanos) , cestas recheadas na sala e presentes embaixo da árvore. Inclusive tem uma caixa lá, com meu nome e tudo. Pena que não estarei mais aqui, mas prometi só abrir no dia 24, igual uma boa menina.
Sabe quando pulamos muito tempo numa cama elástica e quando descemos dela parece que não sabemos mais andar? É esse o meu medo quando voltar pra ‘’vida real’’. Nós intercambistas sempre usamos o termo ‘’vida real’’ para remeter ao que deixamos para trás. Sei que parece estupidez, mas depois de tanto tempo fora, fico em dúvida sobre do que se trata o que deixei para trás. Tenho, inclusive, que fazer um certo esforço para recordar o que estava acontecendo por aquelas bandas quando eu parti e o que encontrarei quando voltar. Fora a reviravolta que anda minha cabeça e o meu coração com a idéia de amputar tantas pessoas assim da minha vida, quase como de repente, sem prazo determinado. Já foi um tanto quanto complicado deixar tantas pessoas queridas no Brasil, mas ao menos eu tinha a certeza de tê-las de volta ao regressar. Aqui já não existe nenhuma certeza. O ‘’a gente vai se ver de novo’’ é apenas a promessa do querer mesclada com o medo do nunca mais.

domingo, 29 de novembro de 2009

Paraguay Parte XI: ''Impossível não entrar nessa onda deles''

Algumas coisas complexas sobre o Paraguay e principalmente, sobre o seu povo, só começaram a fazer sentido para mim por agora, no final da minha aventura paraguaya. Acho que faltava algum paraguayo com sangue frio o suficiente para meter o dedão na ferida e falar deles mesmos com honestidade, sem firula, sem querer ficar competindo, contando vantagem para parecerem melhores ou sei lá que coisa (o que acontece com muitos por aqui). Esse amigo novo, o Ale, abriu a minha cabeça ao ponto de eu chegar em casa com um semi-desespero para escrever, coisa que eu não sentia já fazia algum tempo. Que a guerra do Paraguay foi aquela doideira covarde nojenta todo mundo sabe e reconhece. Temos sorte de ter passado da fase em que ensinavam nas escolas brasileiras que devíamos nos orgulhar da chacina que fizemos. Alguns relatos sobre a guerra dizem inclusive que o exército paraguayo (que praticamente já não existia) em suas batalhas finais, com a finalidade de tentar barrar o avanço dos soldados da tríplice aliança sobre a capital, convocava crianças, lhes davam pedaços de madeira com algo pontudo na ponta e faziam barba e bigode de carvão neles para parecerem homens feitos. É difícil imaginar que loucura foi isso. O fim a gente já conhece. Morreram quase todos os homens, sobrando mulheres, velhos e crianças. O país, sem homens para procriar, começou a dar um valor absurdo aos seus machos, detentores da única possibilidade de repovoar a nação. Aí que começa o quilombo! Os paraguayos passaram a ser sultões das Arábias, cheios de mulheres que faziam de tudo por eles e para eles. Todo homem passa a ser fodão e a mulherada passou a cumprir o papel de faz-tudo dentro e fora de casa. ‘’Porque os homens são felizes assim, tomando tererê e vendo a mulher prover de tudo’’. Palavras do Ale, em forma de ironia, claro, que reflete algo que eu nunca havia digerido muito bem até agora: o forte machismo que fica pairando no ar por aqui. Isso vale inclusive pro comportamento em balada. É difícil algum cara ficar de troca de olhares, te convidar pra conversar, te pagar um trago (como eu estava acostumada no Brasil). A senha aqui é chamar pra dançar querendo chamar pra ficar. Se a menina aceita dançar está dizendo que sim, aceita dar uns beijos também. É a maior cilada pra quem é inocente e gosta de dançar. Outro reflexo da guerra na cultura do país é o modo ‘’kaigue de ser’’ dos paraguayos. Kaigue é uma palavra em guarani que quer dizer entediado, à toa, tranqüilo, acomodado. Depois de tanto sofrimento, de tanta guerra, a população ficou traumatizada. Simplesmente encheu o saco de tanta dor e violência. E passaram por um processo natural de ‘’paz e amor’’ que domina o modo de pensar do povo aqui. Isso, obviamente, tem seus dois lados. A tranqüilidade paraguaya diminui os índices de violência. Por incrível que pareça, devido à pobreza e tudo, os homicídios e crimes bárbaros não são freqüentes. Enquanto no Brasil desfilar com uma BMW é um convite pra ser roubado, aqui muito provavelmente você será invejado, nada mais. Você passa e ao invés de pensarem ‘’que belo carro, vou roubá-lo’’, pensam ‘’puta que pariu, que belo carro, muito doido!’’ e ponto. Claro que isso não é regra, mas faz certo sentido. A tranqüilidade também é gostosa porque o ritmo de tudo é mais lento, como uma cidade do interior, o que particularmente me encanta. A ‘’hora paraguaya’’ é sempre uma hora depois do combinado. E não é um stress, uma loucura, um pânico para cumprir horários, para dar conta de tudo (eu sei que em outro post eu assumi que a ‘’preguiça paraguaya’’ era uma das coisas que me irritavam, mas é bom entender que eu não tenho uma mentalidade tão inflexível assim). Contudo, a tranqüilidade também é cômoda, o que explica a ausência de uma organização popular forte para desenterrar o país da ditadura, por exemplo. Ale me explica que o golpe que tirou Strossner não teve nenhuma participação popular, exceto pela parte da festa pós-golpe. Ele lembra ( tinha onze anos na época) que foi uma ‘’farra...farra...e mais farra nas ruas da cidade’’. Em suas palavras, de novo. Outro exemplo é que todos os dias sai uma notícia que foi encontrada mais uma filha de Lugo perdida por aí e até o momento nenhum paraguayo, nenhuma alma revoltada se prestou ao trabalho de colocar uma faixa na frente do palácio do governo como ‘’Lugo, seu bispo sem vergonha!’’. Porque aqui, está tudo bem. Ninguém se importa e qualquer movimentação pode ser cansativa, ser violenta. E ninguém quer mexer com nada disso. O povo quer ter comida, estar bem perto de sua família e tomar seu tererê em paz, com calma, bem tranquilamente.

A instituição família está em um pedestal no Paraguay. A família deve estar sempre unida, almoçar juntos, se falarem todos os dias, etc, etc, etc. Sempre que conto a minha situação familiar caótica (pais morando em Fortaleza, irmãos em Sampa e eu sozinha em Belo Horizonte), o pessoal faz uma cara de espanto, de assombro, não conseguem entender como nos separamos e ainda somos uma família e somos felizes desse jeito. Para o paraguayo, só existe felicidade se você está sempre muito próximo de sua família. Essa valorização exacerbada implica que eu tenho que valorizar muito a minha família daqui. Até porque é impossível eu ficar apática com as demonstrações diárias escancaradas de amor e carinho, como presentes, abraços, conversas sinceras. Impossível não entrar nessa onda deles, de que faço realmente parte dessa família. Mesmo quando Dotti, meu ‘’irmão’’, me joga no chão e me imobiliza para me irritar, não posso deixar de ter a certeza que ele só faz isso porque realmente me considera sua ‘’irmã’’ e irmãos de verdade brigam, não tem jeito.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Paraguay Parte X: ''O medo aflito do fim''

Coisas que eu vou sentir falta do Paraguay...
• O idioma. Parece fácil mas não é!
• O almoço em família
• O tererê. O preparo, o ritual, o tempo todo, tão maravilhosamente viciante.
• A risada exagerada de Dotti.
• Meu nome pronunciado estranho.
• A ‘’atôisse’’
• As longas conversas com o Bê, no quarto, no terraço, na rua, em qualquer lugar.
• Os ipês-rosas.
• O lomito árabe.
• O prazer inexplicável de receber um telefonema do Brasil.
• A mandioca frita de 4000 gs no Brittania.
• As tilangas do reggaeton.
• A temperatura (no mínimo desafiante) do país.
• Os meus amigos e amigas.
• A minha família paraguaya.
• O Guarany, falado espontaneamente no meio de uma frase, normalmente em forma de insulto.
• O preço das coisas.
• O coletivo, cada um de um jeito, sempre uma adrenalina incrível.
• Pegar o ônibus em qualquer lugar, sem preocupar com ponto.
• A cachaça paraguaya...barata, boa e sem dor de cabeça.
• O álcool gratuito do Pirata
• As festinhas na casa do Adler!
• Simpsons em espanhol.
• Desenhar com o Tobias.
• Acordar com falação, barulheira e entra e sai.
• Os conselhos sentimentais de Julissa. ’’Nooooooo, Lu!’’
• O senso de humor do Dani.
• Ensinar português.
• A incrível leitura de cartas da tia Mirna
• O ‘’toc, toc, toc’’ do Doug no meu quarto
• A cerveja compartilhada mão-a-mão, gole-a-gole.
• As aulas de locução na rádio para tirar meu sotaque de português.
• A sopa paraguaya.
• O prazer de ser ouvida com curiosidade sincera.
• O prazer de ouvir com curiosidade sincera.
• O auto-conhecimento radical.
• O medo do começo.
• O medo da metade do caminho.
• O medo aflito do fim.

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Paraguay Parte IX: ''morrendo de orgulho de mim mesma''

Em teoria, nós estudantes de intercâmbio temos que ter um visto de estudantes para justificar nossa permanência no país. Contudo, não é bem isso o que acontece. Como o processo de tirar um visto é complicado, burocrático, lento e, principalmente, caro, os estudantes acabam criando um outro mecanismo muito simples de se manterem legais aqui no país. A gente pega um ônibus, sai do país, carimba o passaporte e volta.Grande parte dos brasileiros elegem Foz para fazer essa proeza. Quando eu fui até lá eu podia ter feito isso, mas o coletivo que eu e Rô tomamos pra voltar pro terminal rodoviário em Ciudad Del Este não parou na Aduana, passou direito, assim que não selei os meus documentos. O jeito foi encontrar outra fronteira básica pra atravessar. Escolhemos Clorinda, a cidade Argentina mais próxima. Chega a ser ridículo. Você toma um coletivo de 2100 gs para chegar à avenida onde você toma um outro ônibus de 5000 gs. Ou seja, você vai para outro país em uma hora e gasta o equivalente a R$3,50 (um pouco menos). O chato é que Clorinda não tem nada. Chegamos na fronteira, pegamos uma caroninha até o centro da cidade e almoçamos. Depois ficamos vagando no ‘’nada pra fazer’’. Todo mundo parecia estar mimindo e a cidade ficou esquecida durante toda a tarde. Parecia que só tinha a gente procurando alguém ou alguma qualquer coisa pra fazer. Nessa viagem o Dani não foi porque tinha que estudar. Assim que ele logo precisou fugir do país antes que vencesse seus 90 dias de turista espanhol. Como falei muito mal de Clorinda, que era uma cidade em vão no mundo, nos organizamos pra ir um pouco mais longe, em algum lugar que de fato tivesse algo pra fazer. A elegida foi Formosa, também na Argentina. A viagem é mais longa, três horas de ônibus. Chegamos em um domingo e nem pensamos em trocar pesos em Asunción, pois pensávamos em trocar o dinheiro na Argentina. Quando chegamos lá não havia nada aberto (só pra variar). Furamos nossos olhos com uma mulher que vendia chipas na rodoviária. O câmbio inventado por ela era absurdo, trocamos nossos guaranis como se peso argentino fosse real. Mas precisávamos ao menos ter dinheiro pra tomar um ônibus até o centro e achar um banco pra sacar dinheiro. Então tivemos que engolir a facada sem pestanejar. Formosa é uma cidade bonita. É banhada pelo Rio Paraguay e uma de suas avenidas principais, a 25 de maio é larga, com lojas, bares, restaurantes. Passeamos um pouco no centro e depois fomos para a Biósfera, que é uma reserva natural da Laguna Martin Garcia. É como uma praia, famílias fazendo piquenique, casais de namorados deitados na areia, crianças brincando na beira d’água, além de um cais rústico de madeira e barcos. Nesse cais vi o pôr-do-sol mais impressionante da minha vida. O sol tava com um tom vermelho escuro inexplicável e todo o cenário ajudava pra compor fotografias dignas de descanso de tela. Eu e Dani voltamos da biósfera de carona antes que os borrachudos decidissem carregar a gente de volta. Compramos a janta num supermercado e alugamos um quartinho pra passarmos a noite. O chuveiro do banheiro ficava em cima do vaso sanitário, causando uma bagunça. Problemas de quem precisa economizar a qualquer custo. Jantamos sanduíches de presunto, salaminho e queijo com coca-cola em cima da cama e depois saímos pra tomar uma cerveja argentina. A companhia de Dani é perfeita pra viajar. Não só pelo fato dele ser completamente bobo que nem eu e me fazer rir o tempo todo, mas também porque passa uma tranqüilidade incrível, como se nada nunca fosse perrengue suficiente pra ele. Com ele eu animava ir até o Haiti, a Bósnia ou qualquer outra péssima idéia, que com ele não parece tão péssima idéia assim.

Essa semana eu tive que apresentar um trabalho da disciplina mais bacana que faço aqui : publicidade. Em tese, eu devia apresentar esse trabalho em grupo. Todavia, meu grupo nunca me convidava para as reuniões, fingia não entender minhas sugestões e sempre que podia me deixava de fora, como ‘’não se preocupe, temos tudo sob o controle’’. Decidi então falar com o professor que eu faria sozinha, eu e eu mesma, todo o trabalho prático. A proposta era escolher uma marca (ou criá-la) e depois desenvolver toda a campanha, incluindo a tabela de custos (coisa que eu nunca tinha feito antes). Eu optei por criar uma marca de serviço de internet sem fio, ‘’Eurus’’ e desenvolver toda a sua campanha de lançamento, usando o Papa-léguas (aqui ele chama Correcaminos) como garoto propaganda. E, como eu tive esse problema com o grupo, tive apenas uma semana pra tudo (sendo que o normal era mais de um mês). O desafio me enlouqueceu. Passei a semana toda infurnada no computador desenvolvendo propaganda pra revista, banner em flash, spot pra TV, outdoor (esse último ‘’with a little help from my friends’’ de Belo Horizonte). E trabalho escrito e apresentação em powerpoint e ensaiava a argumentação, a defesa. Quando cheguei na aula para apresentar, tinha um outro colega que ia apresentar antes de mim, também sozinho, por algum motivo. O coitado era interrompido de dois em dois minutos pelo professor, que criticava, criticava, fazia cara feia e criticava mais um pouco. O Sr.Rúben Ovelar é o bambambam da publicidade Paraguaya, o cara que mais entende disso no país, que trabalha com isso desde que começou pequenininho por aqui. O meu coração disparando, o medo crescendo, a mão tremendo, as pernas bambas. Respirei fundo, mentalizei coisas boas, pensei que tudo daria certo e apresentei. No início gaguejei um pouco o espanhol, mas depois fui ganhando confiança no que eu estava fazendo, no que eu estava defendendo e deslanchei, perdi o medo. Apresentei sem travar e cheguei no fim. O professor ficou todo o tempo calado, no final fez uma pergunta sobre os custos, eu respondi com calma e ele finalizou, dizendo que o trabalho estava muito bom e que me admirava, pois sabia o quanto era complicado apresentar um projeto em outro idioma. A classe toda bateu palmas e depois várias pessoas , que nunca nem sequer tinham falado um’’A’’ comigo (essa turma é a que eu menos gosto, a mais fechada, talvez por estarem formando já) vieram me elogiar, dizendo que ficaram muito impressionados e tal. A sensação de missão cumprida é orgasmática. Voltei pra casa sorridente, igual boba, morrendo de orgulho de mim mesma.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Paraguay Parte VIII: ''batendo um frio na espinha''

Às vezes paro para pensar como será quando eu voltar pro Brasil. Voltar pro meu dia-a-dia, minha família, meus amigos, minha casa, meus gatos, meus butecos, minhas baladas de BH, minha faculdade, minha vida. Isso que é o mais estranho: ter a segurança que a minha vida é na verdade lá, não aqui. É óbvio que eu não acordo e me assusto todos os dias, pensando ‘’ondiéqueutô’’, mas eu tenho noção que esse quarto não é de fato o meu quarto. Essa não é a minha cama (eita colchãozinho maldito) e essa casa não é a minha casa. Outro dia despertei muito triste, pensando em como eu queria o colo de minha mãe, os conselhos de minhas meninas.Ao mesmo tempo tava me batendo um frio na espinha de pensar que tudo estava mudando e que eu podia voltar e estar tudo estranho, fora do lugar. Fui almoçar e Juli, uma peruana linda muito minha amiga veio conversar comigo e falou uma coisa muito verdadeira. Ela disse que certamente estaria tudo estranho, tudo fora do lugar, tudo mudado não porque as pessoas tenham se transformado, mas porque eu tinha me transformado completamente. Eu iria ser a ‘’mudada’’ da história. Pensando dessa forma, fiquei mais tranqüila, menos preocupada com o futuro. Medindo forças com a saudade do Brasil existe o outro lado da moeda, onde fica o medo de ir embora e deixar aqui tanta coisa que agora faz parte do meu mundo, faz parte de quem eu sou. Isso inclui, obviamente, meus amigos e amigas. Me dá até um aperto pensar na possibilidade de não ter minhas meninas daqui pra jogar conversa fora, falar bobagem. Não ter o Doug cantando sertanejo a toda altura pra me acordar, gritando um ‘’Luizaaaaaaa, você tá dormindoooo?’’ só para ouvir o meu mau-humorado ‘’Não mais.’’ Fora as meninas da faculdade, super carinhosas e preocupadas comigo…O Guille, doido, bobo, meu irmãozinho. Ou o Dani. Um espanhol incrível, companheiro diário de tonteria, que quero levar comigo pra casa. Daqui só restarão as lembranças, o carinho que tenho por essas pessoas lindas, que seguram minha onda, me fazem ter a certeza que faz algum sentido eu estar aqui. Aqui as emoções são super radicais, exageradas. Pela manhã você pode se sentir a pessoa mais sortuda e feliz do mundo e pela noite estar no fundo do poço, se achando a pessoa mais idiota. O mesmo acontece com as relações afetivas. É carinho, é desgosto, é paixão, é ciúme, é amor, é ódio. E ainda tem a vontade de vomitar certos sentimentos…de dependência (da faculdade, das pessoas), de intolerância, de choque com o diferente. O mecanismo de sobrevivência aqui nesse intercâmbio é louco. Ao mesmo tempo que impera o ‘’cada um por si’’ existe um bizarro ‘’um por todos e todos por um’’.

O Paraguay é o único país da América do Sul bilingue. Além do espanhol, seu idioma oficial, existe o Guarani, idioma nativo indígena que perdura até os tempos de hoje, apesar de todos os pesares. A colonização espanhola, que impôs o castelliano como idioma, somada aos vários anos de ditadura militar, que proibia o Guarani por temer conspirações contra o governo, enfraqueceu a proliferação da língua em todo o país. Contudo, o Guarani permaneceu sendo ensinado de geração para geração mesclado com o castelhano, em uma nova forma lingüística chamada ‘’Jopará’’. Guarani é complicadíssimo. Seu alfabeto conta com vocais orais, vocais nasais e várias consoantes duplas; como ‘’nd’’. O meu professor de Guarani, Daniel, diz que eu aprendo rápido, que se eu realmente quisesse falar, em dois ou três anos estaria fluente. A didática inclui guaranias (músicas populares cantadas em guarani) e poesias. O meu objetivo fica longe da fluência. A curiosidade é o motivo que guia as minhas aulas. A fonética estranha do Guarani gera uma aula de caretas, entorta-boca, grunhidos e gemidos. É difícil, mas vale a pena. E é engraçado quando descubro que tem alguma relação com algumas coisas em português. Por exemplo,a música ‘’sapo Kururu na beira do rio’’. Kururu é sapo em Guarani. Assim…’’Sapo sapo na beira do rio’’. Que música mais boba!

Outro post curtinho. Eu sei. Melhor que nada...