domingo, 29 de novembro de 2009

Paraguay Parte XI: ''Impossível não entrar nessa onda deles''

Algumas coisas complexas sobre o Paraguay e principalmente, sobre o seu povo, só começaram a fazer sentido para mim por agora, no final da minha aventura paraguaya. Acho que faltava algum paraguayo com sangue frio o suficiente para meter o dedão na ferida e falar deles mesmos com honestidade, sem firula, sem querer ficar competindo, contando vantagem para parecerem melhores ou sei lá que coisa (o que acontece com muitos por aqui). Esse amigo novo, o Ale, abriu a minha cabeça ao ponto de eu chegar em casa com um semi-desespero para escrever, coisa que eu não sentia já fazia algum tempo. Que a guerra do Paraguay foi aquela doideira covarde nojenta todo mundo sabe e reconhece. Temos sorte de ter passado da fase em que ensinavam nas escolas brasileiras que devíamos nos orgulhar da chacina que fizemos. Alguns relatos sobre a guerra dizem inclusive que o exército paraguayo (que praticamente já não existia) em suas batalhas finais, com a finalidade de tentar barrar o avanço dos soldados da tríplice aliança sobre a capital, convocava crianças, lhes davam pedaços de madeira com algo pontudo na ponta e faziam barba e bigode de carvão neles para parecerem homens feitos. É difícil imaginar que loucura foi isso. O fim a gente já conhece. Morreram quase todos os homens, sobrando mulheres, velhos e crianças. O país, sem homens para procriar, começou a dar um valor absurdo aos seus machos, detentores da única possibilidade de repovoar a nação. Aí que começa o quilombo! Os paraguayos passaram a ser sultões das Arábias, cheios de mulheres que faziam de tudo por eles e para eles. Todo homem passa a ser fodão e a mulherada passou a cumprir o papel de faz-tudo dentro e fora de casa. ‘’Porque os homens são felizes assim, tomando tererê e vendo a mulher prover de tudo’’. Palavras do Ale, em forma de ironia, claro, que reflete algo que eu nunca havia digerido muito bem até agora: o forte machismo que fica pairando no ar por aqui. Isso vale inclusive pro comportamento em balada. É difícil algum cara ficar de troca de olhares, te convidar pra conversar, te pagar um trago (como eu estava acostumada no Brasil). A senha aqui é chamar pra dançar querendo chamar pra ficar. Se a menina aceita dançar está dizendo que sim, aceita dar uns beijos também. É a maior cilada pra quem é inocente e gosta de dançar. Outro reflexo da guerra na cultura do país é o modo ‘’kaigue de ser’’ dos paraguayos. Kaigue é uma palavra em guarani que quer dizer entediado, à toa, tranqüilo, acomodado. Depois de tanto sofrimento, de tanta guerra, a população ficou traumatizada. Simplesmente encheu o saco de tanta dor e violência. E passaram por um processo natural de ‘’paz e amor’’ que domina o modo de pensar do povo aqui. Isso, obviamente, tem seus dois lados. A tranqüilidade paraguaya diminui os índices de violência. Por incrível que pareça, devido à pobreza e tudo, os homicídios e crimes bárbaros não são freqüentes. Enquanto no Brasil desfilar com uma BMW é um convite pra ser roubado, aqui muito provavelmente você será invejado, nada mais. Você passa e ao invés de pensarem ‘’que belo carro, vou roubá-lo’’, pensam ‘’puta que pariu, que belo carro, muito doido!’’ e ponto. Claro que isso não é regra, mas faz certo sentido. A tranqüilidade também é gostosa porque o ritmo de tudo é mais lento, como uma cidade do interior, o que particularmente me encanta. A ‘’hora paraguaya’’ é sempre uma hora depois do combinado. E não é um stress, uma loucura, um pânico para cumprir horários, para dar conta de tudo (eu sei que em outro post eu assumi que a ‘’preguiça paraguaya’’ era uma das coisas que me irritavam, mas é bom entender que eu não tenho uma mentalidade tão inflexível assim). Contudo, a tranqüilidade também é cômoda, o que explica a ausência de uma organização popular forte para desenterrar o país da ditadura, por exemplo. Ale me explica que o golpe que tirou Strossner não teve nenhuma participação popular, exceto pela parte da festa pós-golpe. Ele lembra ( tinha onze anos na época) que foi uma ‘’farra...farra...e mais farra nas ruas da cidade’’. Em suas palavras, de novo. Outro exemplo é que todos os dias sai uma notícia que foi encontrada mais uma filha de Lugo perdida por aí e até o momento nenhum paraguayo, nenhuma alma revoltada se prestou ao trabalho de colocar uma faixa na frente do palácio do governo como ‘’Lugo, seu bispo sem vergonha!’’. Porque aqui, está tudo bem. Ninguém se importa e qualquer movimentação pode ser cansativa, ser violenta. E ninguém quer mexer com nada disso. O povo quer ter comida, estar bem perto de sua família e tomar seu tererê em paz, com calma, bem tranquilamente.

A instituição família está em um pedestal no Paraguay. A família deve estar sempre unida, almoçar juntos, se falarem todos os dias, etc, etc, etc. Sempre que conto a minha situação familiar caótica (pais morando em Fortaleza, irmãos em Sampa e eu sozinha em Belo Horizonte), o pessoal faz uma cara de espanto, de assombro, não conseguem entender como nos separamos e ainda somos uma família e somos felizes desse jeito. Para o paraguayo, só existe felicidade se você está sempre muito próximo de sua família. Essa valorização exacerbada implica que eu tenho que valorizar muito a minha família daqui. Até porque é impossível eu ficar apática com as demonstrações diárias escancaradas de amor e carinho, como presentes, abraços, conversas sinceras. Impossível não entrar nessa onda deles, de que faço realmente parte dessa família. Mesmo quando Dotti, meu ‘’irmão’’, me joga no chão e me imobiliza para me irritar, não posso deixar de ter a certeza que ele só faz isso porque realmente me considera sua ‘’irmã’’ e irmãos de verdade brigam, não tem jeito.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Paraguay Parte X: ''O medo aflito do fim''

Coisas que eu vou sentir falta do Paraguay...
• O idioma. Parece fácil mas não é!
• O almoço em família
• O tererê. O preparo, o ritual, o tempo todo, tão maravilhosamente viciante.
• A risada exagerada de Dotti.
• Meu nome pronunciado estranho.
• A ‘’atôisse’’
• As longas conversas com o Bê, no quarto, no terraço, na rua, em qualquer lugar.
• Os ipês-rosas.
• O lomito árabe.
• O prazer inexplicável de receber um telefonema do Brasil.
• A mandioca frita de 4000 gs no Brittania.
• As tilangas do reggaeton.
• A temperatura (no mínimo desafiante) do país.
• Os meus amigos e amigas.
• A minha família paraguaya.
• O Guarany, falado espontaneamente no meio de uma frase, normalmente em forma de insulto.
• O preço das coisas.
• O coletivo, cada um de um jeito, sempre uma adrenalina incrível.
• Pegar o ônibus em qualquer lugar, sem preocupar com ponto.
• A cachaça paraguaya...barata, boa e sem dor de cabeça.
• O álcool gratuito do Pirata
• As festinhas na casa do Adler!
• Simpsons em espanhol.
• Desenhar com o Tobias.
• Acordar com falação, barulheira e entra e sai.
• Os conselhos sentimentais de Julissa. ’’Nooooooo, Lu!’’
• O senso de humor do Dani.
• Ensinar português.
• A incrível leitura de cartas da tia Mirna
• O ‘’toc, toc, toc’’ do Doug no meu quarto
• A cerveja compartilhada mão-a-mão, gole-a-gole.
• As aulas de locução na rádio para tirar meu sotaque de português.
• A sopa paraguaya.
• O prazer de ser ouvida com curiosidade sincera.
• O prazer de ouvir com curiosidade sincera.
• O auto-conhecimento radical.
• O medo do começo.
• O medo da metade do caminho.
• O medo aflito do fim.

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Paraguay Parte IX: ''morrendo de orgulho de mim mesma''

Em teoria, nós estudantes de intercâmbio temos que ter um visto de estudantes para justificar nossa permanência no país. Contudo, não é bem isso o que acontece. Como o processo de tirar um visto é complicado, burocrático, lento e, principalmente, caro, os estudantes acabam criando um outro mecanismo muito simples de se manterem legais aqui no país. A gente pega um ônibus, sai do país, carimba o passaporte e volta.Grande parte dos brasileiros elegem Foz para fazer essa proeza. Quando eu fui até lá eu podia ter feito isso, mas o coletivo que eu e Rô tomamos pra voltar pro terminal rodoviário em Ciudad Del Este não parou na Aduana, passou direito, assim que não selei os meus documentos. O jeito foi encontrar outra fronteira básica pra atravessar. Escolhemos Clorinda, a cidade Argentina mais próxima. Chega a ser ridículo. Você toma um coletivo de 2100 gs para chegar à avenida onde você toma um outro ônibus de 5000 gs. Ou seja, você vai para outro país em uma hora e gasta o equivalente a R$3,50 (um pouco menos). O chato é que Clorinda não tem nada. Chegamos na fronteira, pegamos uma caroninha até o centro da cidade e almoçamos. Depois ficamos vagando no ‘’nada pra fazer’’. Todo mundo parecia estar mimindo e a cidade ficou esquecida durante toda a tarde. Parecia que só tinha a gente procurando alguém ou alguma qualquer coisa pra fazer. Nessa viagem o Dani não foi porque tinha que estudar. Assim que ele logo precisou fugir do país antes que vencesse seus 90 dias de turista espanhol. Como falei muito mal de Clorinda, que era uma cidade em vão no mundo, nos organizamos pra ir um pouco mais longe, em algum lugar que de fato tivesse algo pra fazer. A elegida foi Formosa, também na Argentina. A viagem é mais longa, três horas de ônibus. Chegamos em um domingo e nem pensamos em trocar pesos em Asunción, pois pensávamos em trocar o dinheiro na Argentina. Quando chegamos lá não havia nada aberto (só pra variar). Furamos nossos olhos com uma mulher que vendia chipas na rodoviária. O câmbio inventado por ela era absurdo, trocamos nossos guaranis como se peso argentino fosse real. Mas precisávamos ao menos ter dinheiro pra tomar um ônibus até o centro e achar um banco pra sacar dinheiro. Então tivemos que engolir a facada sem pestanejar. Formosa é uma cidade bonita. É banhada pelo Rio Paraguay e uma de suas avenidas principais, a 25 de maio é larga, com lojas, bares, restaurantes. Passeamos um pouco no centro e depois fomos para a Biósfera, que é uma reserva natural da Laguna Martin Garcia. É como uma praia, famílias fazendo piquenique, casais de namorados deitados na areia, crianças brincando na beira d’água, além de um cais rústico de madeira e barcos. Nesse cais vi o pôr-do-sol mais impressionante da minha vida. O sol tava com um tom vermelho escuro inexplicável e todo o cenário ajudava pra compor fotografias dignas de descanso de tela. Eu e Dani voltamos da biósfera de carona antes que os borrachudos decidissem carregar a gente de volta. Compramos a janta num supermercado e alugamos um quartinho pra passarmos a noite. O chuveiro do banheiro ficava em cima do vaso sanitário, causando uma bagunça. Problemas de quem precisa economizar a qualquer custo. Jantamos sanduíches de presunto, salaminho e queijo com coca-cola em cima da cama e depois saímos pra tomar uma cerveja argentina. A companhia de Dani é perfeita pra viajar. Não só pelo fato dele ser completamente bobo que nem eu e me fazer rir o tempo todo, mas também porque passa uma tranqüilidade incrível, como se nada nunca fosse perrengue suficiente pra ele. Com ele eu animava ir até o Haiti, a Bósnia ou qualquer outra péssima idéia, que com ele não parece tão péssima idéia assim.

Essa semana eu tive que apresentar um trabalho da disciplina mais bacana que faço aqui : publicidade. Em tese, eu devia apresentar esse trabalho em grupo. Todavia, meu grupo nunca me convidava para as reuniões, fingia não entender minhas sugestões e sempre que podia me deixava de fora, como ‘’não se preocupe, temos tudo sob o controle’’. Decidi então falar com o professor que eu faria sozinha, eu e eu mesma, todo o trabalho prático. A proposta era escolher uma marca (ou criá-la) e depois desenvolver toda a campanha, incluindo a tabela de custos (coisa que eu nunca tinha feito antes). Eu optei por criar uma marca de serviço de internet sem fio, ‘’Eurus’’ e desenvolver toda a sua campanha de lançamento, usando o Papa-léguas (aqui ele chama Correcaminos) como garoto propaganda. E, como eu tive esse problema com o grupo, tive apenas uma semana pra tudo (sendo que o normal era mais de um mês). O desafio me enlouqueceu. Passei a semana toda infurnada no computador desenvolvendo propaganda pra revista, banner em flash, spot pra TV, outdoor (esse último ‘’with a little help from my friends’’ de Belo Horizonte). E trabalho escrito e apresentação em powerpoint e ensaiava a argumentação, a defesa. Quando cheguei na aula para apresentar, tinha um outro colega que ia apresentar antes de mim, também sozinho, por algum motivo. O coitado era interrompido de dois em dois minutos pelo professor, que criticava, criticava, fazia cara feia e criticava mais um pouco. O Sr.Rúben Ovelar é o bambambam da publicidade Paraguaya, o cara que mais entende disso no país, que trabalha com isso desde que começou pequenininho por aqui. O meu coração disparando, o medo crescendo, a mão tremendo, as pernas bambas. Respirei fundo, mentalizei coisas boas, pensei que tudo daria certo e apresentei. No início gaguejei um pouco o espanhol, mas depois fui ganhando confiança no que eu estava fazendo, no que eu estava defendendo e deslanchei, perdi o medo. Apresentei sem travar e cheguei no fim. O professor ficou todo o tempo calado, no final fez uma pergunta sobre os custos, eu respondi com calma e ele finalizou, dizendo que o trabalho estava muito bom e que me admirava, pois sabia o quanto era complicado apresentar um projeto em outro idioma. A classe toda bateu palmas e depois várias pessoas , que nunca nem sequer tinham falado um’’A’’ comigo (essa turma é a que eu menos gosto, a mais fechada, talvez por estarem formando já) vieram me elogiar, dizendo que ficaram muito impressionados e tal. A sensação de missão cumprida é orgasmática. Voltei pra casa sorridente, igual boba, morrendo de orgulho de mim mesma.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Paraguay Parte VIII: ''batendo um frio na espinha''

Às vezes paro para pensar como será quando eu voltar pro Brasil. Voltar pro meu dia-a-dia, minha família, meus amigos, minha casa, meus gatos, meus butecos, minhas baladas de BH, minha faculdade, minha vida. Isso que é o mais estranho: ter a segurança que a minha vida é na verdade lá, não aqui. É óbvio que eu não acordo e me assusto todos os dias, pensando ‘’ondiéqueutô’’, mas eu tenho noção que esse quarto não é de fato o meu quarto. Essa não é a minha cama (eita colchãozinho maldito) e essa casa não é a minha casa. Outro dia despertei muito triste, pensando em como eu queria o colo de minha mãe, os conselhos de minhas meninas.Ao mesmo tempo tava me batendo um frio na espinha de pensar que tudo estava mudando e que eu podia voltar e estar tudo estranho, fora do lugar. Fui almoçar e Juli, uma peruana linda muito minha amiga veio conversar comigo e falou uma coisa muito verdadeira. Ela disse que certamente estaria tudo estranho, tudo fora do lugar, tudo mudado não porque as pessoas tenham se transformado, mas porque eu tinha me transformado completamente. Eu iria ser a ‘’mudada’’ da história. Pensando dessa forma, fiquei mais tranqüila, menos preocupada com o futuro. Medindo forças com a saudade do Brasil existe o outro lado da moeda, onde fica o medo de ir embora e deixar aqui tanta coisa que agora faz parte do meu mundo, faz parte de quem eu sou. Isso inclui, obviamente, meus amigos e amigas. Me dá até um aperto pensar na possibilidade de não ter minhas meninas daqui pra jogar conversa fora, falar bobagem. Não ter o Doug cantando sertanejo a toda altura pra me acordar, gritando um ‘’Luizaaaaaaa, você tá dormindoooo?’’ só para ouvir o meu mau-humorado ‘’Não mais.’’ Fora as meninas da faculdade, super carinhosas e preocupadas comigo…O Guille, doido, bobo, meu irmãozinho. Ou o Dani. Um espanhol incrível, companheiro diário de tonteria, que quero levar comigo pra casa. Daqui só restarão as lembranças, o carinho que tenho por essas pessoas lindas, que seguram minha onda, me fazem ter a certeza que faz algum sentido eu estar aqui. Aqui as emoções são super radicais, exageradas. Pela manhã você pode se sentir a pessoa mais sortuda e feliz do mundo e pela noite estar no fundo do poço, se achando a pessoa mais idiota. O mesmo acontece com as relações afetivas. É carinho, é desgosto, é paixão, é ciúme, é amor, é ódio. E ainda tem a vontade de vomitar certos sentimentos…de dependência (da faculdade, das pessoas), de intolerância, de choque com o diferente. O mecanismo de sobrevivência aqui nesse intercâmbio é louco. Ao mesmo tempo que impera o ‘’cada um por si’’ existe um bizarro ‘’um por todos e todos por um’’.

O Paraguay é o único país da América do Sul bilingue. Além do espanhol, seu idioma oficial, existe o Guarani, idioma nativo indígena que perdura até os tempos de hoje, apesar de todos os pesares. A colonização espanhola, que impôs o castelliano como idioma, somada aos vários anos de ditadura militar, que proibia o Guarani por temer conspirações contra o governo, enfraqueceu a proliferação da língua em todo o país. Contudo, o Guarani permaneceu sendo ensinado de geração para geração mesclado com o castelhano, em uma nova forma lingüística chamada ‘’Jopará’’. Guarani é complicadíssimo. Seu alfabeto conta com vocais orais, vocais nasais e várias consoantes duplas; como ‘’nd’’. O meu professor de Guarani, Daniel, diz que eu aprendo rápido, que se eu realmente quisesse falar, em dois ou três anos estaria fluente. A didática inclui guaranias (músicas populares cantadas em guarani) e poesias. O meu objetivo fica longe da fluência. A curiosidade é o motivo que guia as minhas aulas. A fonética estranha do Guarani gera uma aula de caretas, entorta-boca, grunhidos e gemidos. É difícil, mas vale a pena. E é engraçado quando descubro que tem alguma relação com algumas coisas em português. Por exemplo,a música ‘’sapo Kururu na beira do rio’’. Kururu é sapo em Guarani. Assim…’’Sapo sapo na beira do rio’’. Que música mais boba!

Outro post curtinho. Eu sei. Melhor que nada...

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Paraguay Parte VII ''um disse-me-disse que nossa senhora!''

Coisas irritantes do Paraguay:

Os pernilongos diabólicos. Eles chegam de fininho, em bando, quase sem fazer barulho…mas quando você vê, lá estão: o exército de insetos do mau contra você, um pobre ser humano. Eles picam qualquer parte sua que esteja a vista, mesmo as menos cotadas, como pálpebras, cotovelo, palma da mão. Não te deixam dormir. São organizados e estrategistas. É impossível vencê-los.

A preguiça Paraguaya. A aula está marcada para seis da tarde. Mas os alunos chegam seis e vinte e a professora seis e meia. A aula devia durar até sete e meia, mas todos chegam a um acordo idiota que é melhor acabar um pouquinho mais cedo, talvez sete horas. O comércio fecha as portas para o almoço. Uma da tarde é hora de almoçar em casa, fortalecendo os laços familiares. Mas parar de trabalhar durante uma hora é muito pouco para os Paraguayos, pois faltaria a sagrada hora da siesta pós-almoço. Ótimo! Vamos todos tirar um cochilinho e reabrir as postas do comércio, bom, quem sabe umas três e meia?

O fanatismo futebolístico. Se você acha que o Brasil é o país do futebol, onde todos são loucos por esse esporte, é porque ainda não morou no Paraguay. As propagandas na TV só conseguem pensar em um único tema: o futebol. Em toda campanha tá lá: criança com camisa da seleção, boazuda com camisa da seleção, casal de velhinhos com a camisa da seleção. Dia de jogo da seleção? É o único assunto, o único porquê de levantar da cama. Fecha o comércio, fecha a faculdade, fecha o trânsito. Os ônibus ficam lotados, a cidade fica violenta e não há policiamento, porque os policiais estão bêbados assistindo ao jogo. Se a seleção Paragaya ganha então (como aconteceu no jogo contra a Argentina)...o presidente Lugo declara feriado.Ai, ai, ai....

Morar na pensão da Cáti é garantia de confusões diárias generalizadas. Todo dia acontece alguma coisa bem doida, super incomum,como diria aqui no Paraguay, um ‘’quilombo’’! Agora descobri que o Estévan, argentino bom moço que mora por aqui , publica via internet , no facebook, todos os podres dos moradores da intitulada ‘’Pensión del Drama’’ (definição do Estévan, que eu apoiei e achei bem boa). A novela, que tá fazendo o maior sucesso entre os argentinos, deu o que falar por aqui também. Tá rendendo um bafafá, um disse-me-disse que nossa senhora! Sinceramente? Eu não tinha necessidade de sair daqui de dentro dessa casa para escrever centenas de casos. Misturar uma criança,doze jovens universitários de diferentes partes do mundo, um adolescente, dois adultos e uma velhinha é certeza de muita história pra contar! Dá a maior dor de cabeça mas eu particularmente adoro.

Peço desculpas mas esse post vai ser curtinho. Tô com a patinha quebrada e assim fica difícil digitar. Esse é só pra dizer que ainda escrevo, mesmo que de vez em quando. Juro compensar no próximo, quando minha patinha já estiver melhor.

sábado, 5 de setembro de 2009

Paraguay Parte VI ''sorriso de boba alegre estampado na cara''

‘’Puta que pariu!’’. A expressão mau educada foi a única que conseguiu escapulir de minha boca quando entrei em contato com uma das sete maravilhas naturais do mundo: as cataratas do Iguaçu. A paisagem parece tirada de um descanso de tela exagerado, feito no photoshop, com todos os recursos para uma visão paradisíaca, sobrenatural. O passeio pelo parque das cataratas impressiona, deixa as pernas bambas, o queixo mole. Quanto mais você caminha na trilha, achando que nada mais irá te assombrar, aparece na sua frente mais uma porção de quedas d’água maravilhosas, para compor a paisagem de forma mais e mais harmônica. O barulho da força das cataratas dá uma paz, uma serenidade, uma coisa diferente de tudo que eu já havia experimentado. O calor que estava fazendo, no céu absurdamente azul, sem nenhuma nuvem, só ajudou pra deixar tudo mais cinematográfico. Existe no meio do parque um corredor que te leva bem próximo a algumas cachoeiras, e de lá podemos sentir o sopro refrescante das águas. Fiquei ensopada, mas com um sorriso de boba alegre estampado na cara. Tudo lindo. Muuuito lindo. Uma apelação dos Deuses de tirar o fôlego. O dia já havia começado muito bem, com compras em Ciudad del Este, a capital da quinquilharia barata da América do Sul. Lá, meus perfumes prediletos , que eu chego a pagar 200 reais por míseros 50 ml, custam 80 reais. Desejo incontrolável de fazer a festa, levar a loja toda! O Rô, meu primo querido e companheiro de viagem, comprou um HD externo num shopping gigante de produtos de informática. Nesse shopping eu lembrava do meu pai o tempo todo. Meu pai sempre foi um amante e entusiasta de novas tecnologias. Ficava imaginando ele nesse centro, chamdo Lai Lai, com tudo escandalosamente barato e de última ponta. Dá até vontade de virar sacoleira, confesso. O mais estranho de Ciudad del Este é que, fora desse caos generalizado que é o centro de compras, a fronteira e a ponte da amizade, o resto da cidade é muito tranquilo. Não só tranquilo como também bonito, arborizado, organizado,com vias sinalizadas, cheio de praças. Uma cidade que até engana que é primeiro mundo, tipo europona. Essa viagem de bate-e-volta até Foz foi muito interessante. Eu e o Rô fizemos todo um estudo antropológico do transporte rodoviário paraguayo. Chegamos no terminal em Asunción calculando pegar o ônibus das 3 horas da madrugada. Contudo, apareceu um Zé, do nada, e nos ofereceu saída imediata, em um ônibus novo, com o mesmo preço das outras viações. A proposta nos pareceu uma boa idéia e aceitamos. Ao embarcar, percebo a furada. O ônibus é super velho, meio caindo aos pedaços e a poltrona inclina, mas depende do meu peso apoiado para se manter inclinada. Ou seja, deito e ela deita. Levanto e ela volta pro lugar. Um ''siga o mestre'' irritante. Até aí tudo bem, pequeno detalhe. O busão entra em movimento e nada da luz apagar. O ar condicionado parece estar no topo de sua capacidade, no máximo. Faz muito frio e começa a ficar meio incômodo. O motorista é um sem noção, que começa a ouvir música alta, impedindo que eu possa sequer tentar dormir. Quando eu acreditava que nada mais podia piorar vem a demora do trajeto. O ônibus pára de quinze em quinze minutos pra pegar jecas no meio do caminho e enche. Não só as poltronas numeradas, mas os corredores e qualquer centímetro de espaço que estava dando sopa. Gente, gente, mais gente que não acaba mais. O pesadelo dentro do coletivo durou seis horas. Frio, luz acesa, sem poder dormir ouvindo a cumbia do motorista com mais oitenta mil pessoas se esmagando. O mais legal é que esse transporte do mau foi parado pela polícia e liberado (com obviamente uma propinazinha básica) em menos de um minuto. Vergonha. A volta já foi bem menos traumática. Não tinha ar condicionado, nem cumbia, muito menos luz acesa. Parou menos que o primeiro e foi lotado apenas durante poucas horas. Na verdade, não reparei porque estava exausta, e vim dormindo. Mas, para não decepcionar os meus conceitos pré-existentes sobre o serviço rodoviário paraguayo, o veículo quebrou na entrada de Asunción. Um viva para a aventura que é viajar no país. Prometo nunca mais reclamar dos ônibus rodoviários brasileiros.

Normalmente voltamos da faculdade juntas. O caminho é longo e é bom quando temos companhia... Conversando o tempo passa bem mais rápido. Estávamos voltando eu, Vanessa e Ju quando um gatinho atravessou a rua correndo. Ele era do tipo vaquinha, preto e branco com cara de carente. Chegou super simpático, olhou pra gente e ficou todo animado com nosso carinho. Irresistível não levá-lo pra casa. No caminho pensávamos o que faríamos com o novo morador. Várias idéias passaram pelas nossas cabeças: mantê-lo escondido durante todos os seis meses; colocá-lo em uma caixa,enfeitá-lo com um lacinho e dar de presente à Cáti; chegar em casa e dizer a máxima ‘’ele nos seguiu até aqui’’ e outras, cada vez menos brilhantes e mais engraçadinhas. Enquanto não criávamos uma boa estratégia, ficamos com o Sr.Michi Morosini escondido (Michi é uma forma de dizer gatinho em espanhol e Morosini é o nome do Secretário da UNA, que atua como nosso super herói por aqui). O esconde-esconde durou oito dias, até que o gato ingrato fugiu da nossa kitnet e foi pro quintal...somente para ser descoberto. Cáti então nos deu um ultimato para encontrarmos um lar pro bichinho, já que temia que ele comesse seus papagaios analfabetos ou infernizasse a vida de seus piriquitos sexopatas. O ultimato funcionou, colocou a gente pra procurar casa pro Morosini. Traçamos um plano de ação: pregar cartazes de ‘’adoptame’’ nas ruas e fazer contatos com ONGs e grupos de apoio aos animais abandonados. A procura funcionou. Descobrimos que tinha uma feira de adoção num domingo a tarde num estacionamento de shopping e levamos o nosso gatinho. Para nossa surpresa, a veterinária responsável pela feira atestou que o Michi na verdade era a Michi. O gatinho mudou de sexo, virou menina. Durante a feira ficamos super nervosas, esperando o resultado da empreitada. Dávamos voltas e voltas no shopping pensando na bichinha na gaiola,esperando alguém se encantar com sua carinha de anjo. Pobrezinha. Felizmente e finalmente, Srta.Michi Morosini foi adotada por uma família de bom coração. A nossa saga felina havia terminado. Com um final feliz!

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Paraguay Parte V ''a gente sofre mas a gente ri''

Acho muito engraçado quando lembro das coisas que ouvi a respeito do Paraguay ao sair do Brasil. A maioria eram piadinhas bobas, mas que escondem preconceitos sérios, idéias distorcidas sobre um país vizinho vazio, sem história, sem cultura, sem dinheiro, sem poder, sem cérebro. Uma nação onde tudo se resume a muamba, contrabando e falsificação. É natural, confesso que também carregava muitos preconceitos e que sabia quase nada sobre a história Paraguaya. Não sabia, por exemplo, que a ditadura do general Alfredo Strossner foi a mais longa da América Latina, punindo o país durante trinta e cinco anos. A ciudad del Leste, da ponte da amizade (da parte onde parte dos preconceitos se justifica), se chamava Puerto de Strossner até sua queda em 1989, qundo houve um golpe de estado para retirar o ditador do poder, liderado pelo também militar Andrés Rodríguez. Strossner recebeu exílio em Brasília onde viveu até 2006, quando morreu doente. O partido colorado, de extrema direita, deitou e rolou no poder por mais de sessenta anos. Assim, a eleição de Fernando Lugo representa aqui a primeira grande mudança política no país. Tá que Lugo está envolvido em escândalos sexuais, coisa e tal, mas ainda assim é uma figura forte, com um carimbo de ‘’democracia’’ estampado na testa. Isso me lembra uma piadinha paraguaya muito boa. Na sua campanha presidencial, havia um jingle que dizia que Lugo tem coração. Depois das denúncias de que o bispo havia engravidado moças, o povo mudou o jingle para ‘’Lugaucho (o mesmo que mulherengo) tiene corazón, pero no usa condón!’’ (tem coração, mas não usa camisinha).É aquela história...a gente sofre mas a gente ri. Eu achei estranho o Brasil ter dado exílio político ao Strossner. Na verdade, eu acho estranho como que os paraguayos não odeiam o Brasil. Fora o genocídio na desastrosa guerra da tríplice aliança (que nós chamamos de guerra do Paraguay), o Brasil mantém até hoje o tratado de Itaipu, herança dos tempos da ditadura que é um tanto quanto injusta. Apesar de ser uma hidrelétrica considerada binacional, o Paraguay só faz uso de duas turbinas e é obrigado a vender o seu excedente ao Brasil a preço de banana, isso até 2023, pelo menos. Enquanto a gente tem o costume de meter o pau nos paraguayos, eles, que têm motivos para nos detestar, nos adoram e só pedem por justiça, nada mais. Quando discuto essas questões com o pessoal daqui, juro que dá vergonha de já ter tido uma cabeça tão pequena sobre esse país, sobre esse povo. Grande parte dessas histórias que eu contei aqui eu vi num documentário excepcional, chamado ‘’Paraguay, mi tierra olvidada’’ (Paraguay, minha terra esquecida). Aliás, essa semana está tendo aqui o festidoc, um festival de documentário sensacional, mas que infelizmente coicide com meus horários de aula, então quase não tá dando preu aproveitar. Assisti também ‘’La ciudad de los fotógrafos’’, um filme chileno sobre os fotógrafos independentes na ditadura de Pinochet; ‘’La otra copa’’, argentino, muito divertido, sobre a copa do mundo de moradores de rua (que eu nem sabia que existia) e ‘’Vengo de un avión que cayó en las montañas’’, particularmente, o meu favorito. O documentário uruguayo/francês é uma coletânea de depoimentos de sobreviventes ao acidente aéreo, aquele que caiu nos Andes em 72. Os relatos são impressionantes, fiquei muito emocionada. Olha que eu sou difícil de fazer chorar em filme. Tem uma hora que eles estão descrevendo como que organizavam expedições, com o intuito de encontrar ajuda e então um dos caras narra que o único objetivo dele era andar na neve, dormir e continuar andando no dia seguinte. A noite era extremamente gelada então ele só conseguia dormir no meio do nada porque a exaustão o obrigava. Acordava com o sol batendo em seu rosto. É muito bonito, ele descreve esse sol como uma mão de Deus, que fazia com que ele tivesse esperança, tivesse paz, por alguns segundos. É incrível como o cara nessa situação horrível consegue se alegrar, se apoiando numa fé inventada por ele, para ele. A sobrevivência inverossímel dessas pessoas, durante 72 dias no meio do nada, comendo pasta de dente como sobremesa, me fez me sentir minúscula, uma gotinha d’água na tempestade. Me fez olhar para muitas coisas que eu dou um valor gigante de outra forma, mais pé no chão. Esse documentário é incrível...Eu recomendo.

Aqui em Asunción os cassinos e bingos são legais. Eu nunca havia entrado em um cassino e assumo que fiquei me sentindo bem hollywoodiana no ambiente. Quem nos levou foi o Guille, mi hermanito, primeiro secretário e guia de baladas e perdições asuncionenses. Estávamos procurando um bar pra beber na cidade, e em todos que passávamos estavam meio as traças, com pouquíssimas pessoas. Foi quando o Gui sugeriu tomar uma cerveja num cassino, pra gente conhecer. Lá, ao contrário de todos os outros bares, estava bem cheio. Eu achei muito legal. Além das diversas máquinas de caça-níquel, haviam mesas para jogos de cartas (blackjack) e roletas. Os funcionários usavam aqueles uniformes que a gente vê em filme e tudo era meio avermelhado. Ah! E não tem janelas, pras pessoas perderem a noção de tempo (entra dia, sai dia e o pobrezinho tá lá, apostando a casa, o carro, a mãe, o cachorro). Outra coisa interessante é que não é permitido tirar fotos, pra garantir a privacidade dos apostadores. Eu tirei uma foto, mas bem rapidinho, só pra ser xingada e ter pelo menos um registro. Na parte mais distante das mesas de apostas tem um restaurante e um bar com palco, onde ficamos. Estava tendo um show de um trio que tocava umas milongas, cumbias e tangos. Muito bacana. A cerveja aqui parece até que é tabelada. Em todo lugar que vamos pagamos 9000 guaranis, independende do grau de requinte da balada, do bar ou do pub. Claro que se formos comprar num mercado ou um supermercado é bem mais barato, mas fora é sempre o mesmo preço.

Existe aqui perto uma cidadezinha bem interiorana que se chama Areguá. Sábado nós fomos conhecê-la, pois estava rolando a feira anual do morango. Era uma feirinha muito bacana, com barraquinhas em fila indiana, no meio da estrada,vendendo morangos (obviamente) e uma porção de derivados: morango com chantilli, torta de morango, mousse de morango, bolo de morango, bombom de morango, chupa-chupa de morango, licor de morango, sorvete de morango, suco de morango, marmelada de morango, alfajor de morango e geléia de morango. Já deu pra perceber que maravilha que foi a brincadeira. Tudo muito delicioso, absurdamente bem feito e barato. Saimos de lá passando mal de tanto morango que consumimos. Tivemos a impressão que movimentamos bruscamente a economia da feirinha, pois ficamos numa gastação incrível, experimentando de tudo um pouco. Só o suco eu repeti três vezes...hummmm, delícia! Tomara que sábado que vem apareça uma feira do limão,do figo ou do maracujá.