segunda-feira, 27 de julho de 2009

Paraguay Parte I ''no fundo, no fundo é tudo a mesma coisa''

“São 12 horas e 20 minutos. Sejam bem vindos a Asunción,a temperatura marca 16 graus. Por favor, os passageiros que não forem desembarcar, permaneçam em seus lugares. O uso de celular e outros eletrônicos não estão permitidos. Obrigada por voar conosco e tenha uma boa estadia.’’
O chegar ao chão fez minha barriga dar mais duas pontadas agudas e me sinto meio enjoada. Boxe dentro do estômago. Minha tosse deu uma piorada e sinto que tenho gripe suína. Fico com medo de ser barrada logo na entrada. Menti em todos os quadradinhos do ministério da saúde Paraguayo, que tenta evitar que pessoas infectadas como eu, entrem no país.
Na chegada tudo normal, exceto o pavor de não ser buscada no aeroporto. Para minha surpresa geral, é exatamente isso o que acontece. Contudo, porém, todavia, encontro o coordenador acadêmico da agronomia e engenharia florestal, que se disponibiliza a ligar pra Sra. Magdalena e me arrumar uma moradia provisória. Vamos eu, Gabriel e Danilo, dois meninos simpáticos do Sul do Brasil. No carro tenho minhas primeiras impressões sobre o Paraguay. Fidel, o coordenador, é extremamente bem humorado e bebe tererê enquanto dirige, sem se preocupar de não ter mão alguma segurando o volante e sequer usa cinto de segurança, mas tudo bem. O tererê roda os três dentro do carro e chega a mim. Dou um golinho por educação, mas faço uma caretinha inevitável. A bebida é surpreendentemente gelada e absolutamente amarga. Fidel faz uma piadinha e todos riem. Danilo fala espanhol com desenvoltura,tranquilamente. É diferente do Gabriel, que arranha um portunhol tosco, falando português com sotaque. Eu prefiro ouvir mais e falar menos, observar mais e falar menos, é tudo muito novo, meio complicado de ficar dando pitacos. Ah! Minha gripe suína magicamente sara no caminho pra San Lorenzo.
Na estrada tem outdoors com propagandas Paraguayas, muitos carros velhos, muitos deles estão absolutamente destruídos, caquéticos, e a maioria sequer tem placa. Os ônibus são lindos. São velhos, meio caindo aos pedaços, mas exibem lindas pinturas na lateral, com caligrafias rebuscadíssimas e muitas informações pra o usuário, tudo extremamente colorido. O caminho que pegamos leva a San Lorenzo, cidade metropolitana de Asunción, onde fica o Campus dos meninos. O Campus é muito grande. Têm vacas, bois, ovelhas, árvores gigantescas, plantas diversas catalogadas. Os prédios são simples, na verdade os prédios são casas. Tudo parecendo meio interiorano, casinhas de tijolo pra tudo, inclusive a reitoria, a biblioteca, o restaurante universitário. San Lorenzo é uma típica cidadezinha do interior, apesar de ser do lado da capital nacional do país. Cachorros caminhando, crianças brincando no meio da rua, poucas ruas asfaltadas e aquelas que são de fato, asfaltadas, são esburacadas, com péssimo calçamento. Prato cheio para uma bagunça quando chove. Quando chove as ruas ficam cheias de poças gigantes e enlamaçadas.As lanchonetes (que vendem hamburguesas, milanesas e empanadas) e os butecos (que vendem cerveja, além de hamburguesas, milanesas e empanadas) fecham. As lojinhas com acesso a internet param de funcionar (já que a internet cai) e a cidade parece uma cidade fantasma, em dia de feriado ou sei lá.
Os universitários daqui parecem muito com os universitários brasileiros, acho que no fundo, no fundo é tudo a mesma coisa. No primeiro dia fui a uma feira rural gigantesca (importante lembrar que estou vivendo com agrônomos...o pessoal me chama de ‘’ la periodista rural’’). Nunca vi uma feira tão enorme. Tinha dezenas de galpões expondo bois de marca tal, vaca de marca tal, cabritos de não-sei-o-que-lá. Stands de tudo quanto é coisa, de marca de caña (cachaça) com degustação a jóias, tratores, roupas,móveis, tecidos. Além de stands educativos, sobre hidrelétricas, cursos, apicultura, ervas medicinais, etc,etc,etc. Essa feira era inverossímel! Foi aí que tive o primeiro contato com os universitários, que montaram um stand do curso deles e ficavam lá, gorozeando e conversando num espanhol frenético - ‘’nosénoséquemésjajajajaajnosénoséquemásjaajja’’.Tentar acompanhar a conversa desse povo foi terrivelmente complicado, até Ezequiel, o argentino que mora conosco, teve que concordar que eles pareciam drogados com ecstasy, hablando muy rápido. Quase no final da feira, mais ou menos umas 22 horas, o pessoal fechou o stand com uma fita, trouxeram empanadas (que é tipo um pastel, mas costuma ter ovo e é mais pesado) e coca cola e um rapaz foi lá na frente e danou a falar rapidão, um monte de coisa. Eu fiquei lá, enrugando minhas veias da testa para tentar decifrar o que o cara dizia quando reparei que ele estava nos homenageando, agradecendo nossa presença no Paraguay e desejando coisas boas. Depois uma menina fechou o discurso falando como era importante que países vizinhos fossem amigos (isso eu entendi) e etc e tal e convidou todo mundo pro lanche. Sei que eu estava ali de bico, que não era exatamente direcionado pra mim, mas me emocionou muito ver que eles tiveram essa delicadeza, de fazer uma festinha de boas vindas, de fazer um discurso rapidão, de querer fazer com que fiquemos a vontade no país deles. Ponto pro povo paraguayo.
Asunción é uma cidade grande. A capital federal e maior cidade do país. Uma cidade-estado. Aqui também tem problemas de calçamento, drenagem, violência e miséria, um bocado de miséria. Asunción não é voltada pra o turismo e muito menos tem aquele ‘’quê’’ para inglês ver. É estranho que, apesar de ser a capital de um país, Asunción não tem muito movimento. Fora os horários de rush, é tudo muito calmo, parado. Sábado e domingo então...não tem nada, só tem movimento a noite e um pouquinho na hora do almoço. Isso acontece por dois motivos (acho): o primeiro é que moram poucas pessoas aqui. A maioria trabalha aqui mas mora nos arredores, pois é uma cidade cercada de outras cidades menores, que formam ‘’la gran asunción’’. O segundo motivo deve ser que as pessoas aqui são caseiras. Não existem muitos restaurantes, cafés, lugares para se comer fora. Estranhíssimo isso... caminhei sábado a tarde no centro da cidade e vi pouquíssimos carros e pessoas. Como uma cidadezinha do interior.
O rio Paraguay forma a bahia onde a cidade se desenvolveu. Atravessando o rio é possível conhecer os chacos, que, segundo Riccardo, um amigo-guia, não passam de pasto, pasto e mais pasto, com alguns vilarejos indígenas. Perto do rio é onde cresceram as favelas, bem parecidas com as favelas brasileiras, exceto que são planas, não estão em morros. O palácio do governo , muitíssimo bem policiado, fica em uma praça que beira o rio também, além do velho congresso, que tem uma história muito curiosa. O prédio do congresso era um prédio antigo, muito bonito, cheio de detalhes arquitetônicos ricos e coisa e tal. Em um belo dia, houve uma das muitas revoluções populares, só que esta em especial tinha apoio dos militares. O povo chegou para protestar com um pequeno tanque e acabaram atirarando no telhado para amendrontar os políticos. Não só amendrontados como simplesmente apavorados, os congressistas decidiram que aquele prédio não era mais seguro para se trabalhar e exigiram a construção de um novo lugar, uma construção suntuosa e ultra moderna que não combina com absolutamente nada em Asunción.Parece mais uma nave voadora, muito tosco. Muitas construções da cidade remetem às suas guerras e revoluções. O fracasso do país na guerra da tríplice aliança (que nós chamamos de guerra do Paraguay), por exemplo, marcou bruscamente a cultura deles. Riccardo diz que as cicatrizes são ouvidas nas canções populares, folclóricas. É tudo muito melancólico, arrastado, triste mesmo. Ouvindo as músicas dá pra notar: são doloridas, muito pesadas. Andando pelas ruas, reparei que vários postes tinham cartazes que estavam em luto, exigindo justiça, indignados. Me explicaram que se tratava da tragédia de Ycuá Bolaños, uma história muito louca. Em agosto de 2004, aconteceu um gigantesco incêndio em um hipermercado de Asunción, chamado Ycuá Bolaños. Os donos do lugar, ao invés de simplesmente liberarem a saída de todos (o que deve obviamente ser feito em uma emergência), fecharam as portas, para evitar que houvessem furtos. Resultado: quatrocentas pessoas morreram queimadas e/ou pisoteadas dentro do supermercado. Desde o incêndio, sobreviventes e familiares brigam na justiça para serem indenizados e para que os responsáveis cumpram pena. Até agora, parece que nenhuma justiça foi feita.
A pensão da Sra. Cáti, para onde me mudei, mais parece um cenário de novela. As paredes são decoradas com pratos pintados e panos de prato, além de flores de plástico e porta retratos com fotos de família. Um monte de gente num entra e sai danado, quase trinta pessoas dividindo uma mesma casa, cada qual com seus porquês de estar aqui, no Paraguay. A grande maioria são brasileiros que vieram fazer mestrado ou doutorado na Universidad Autônoma de Asunción, uma faculdade particular que fica a uma quadra daqui. A Sra. Cáti e sua família -- filho, filha, marido e genro – recebem a mais de dez anos pessoas de diversos países dentro de sua casa com comida, televisão,água quente, internet e, é claro, o maior carinho do mundo. No dia que cheguei era hora do almoço. Cáti, que é chamada respeitosamente de ‘’mamá’’ por quem fica aqui hospedado não se encontrava. Só havia um argentino em casa e eu não fazia idéia de como aqui era uma loucura nos horários de pico. Uma bagunça, uma gritaria, um caos generalizado. Segundo mamá me explicou,o mês de julho, juntamente com janeiro é quando tem mais pessoas por aqui. O mestrado e o doutorado na UAA funciona assim: de seis em seis meses os alunos vêm, estudam um mês ou dois e retornam para casa. Quando digo que devo ficar seis meses direto estudando aqui, as pessoas levam um susto, acham que enlouqueci. A minha primeira manhã aqui faz muito frio, três ou quatro graus. Acordei com Lorena, uma peruana que divide quarto comigo, arrumando sua mala para ir embora, depois de seis meses morando aqui. Mamá estava sentada na beira da cama, fazendo rolinhos de roupa e palpitando que ela havia comprado muita coisa, que não iria caber tudo, que ia exceder o peso e depois reclamava que iria sentir saudades. Quando me viu acordada, observando, mamá abriu um sorriso gracinha e disse:
- Haces frio...es seguro, amor!
E pegou uma coberta que sobrava na outra cama e me cobriu, além de dar uma apertadinha no meu pé. A cena me lembrou muito a minha casa. Dudu arrumando a mala da Nina, eu fazendo umas piadinhas bobas e aquela coisa... bem família, calminha, gostosa.