quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Paraguay XII ''quase como de repente, sem prazo determinado''

Sempre no fim de ano, no réveillon, temos mania de fazer piadinhas bobas com o fato do ano estar quase no fim. Coisas realmente sem-graças como ‘’essa é última vez que eu tomo refrigerante esse ano’’ ou ‘’ tomarei banho agora só ano que vem’’. Estou lembrando disso porque aqui estamos assim, como se fossemos virar o ano em poucos dias, e estamos fazendo tudo pela última vez, listando mentalmente quais serão os últimos respiros de Paraguay. A última ida à Ciudad Del Este (assumindo o meu lado sacoleira ), o último lomito árabe, a última ida no mercado quatro, no Asunción Super Centro (ódio desse lugar), na faculdade, a última saída com Dani, a última brincadeira com Tobias, a última ida de madrugadona ao mercadillo, o último acidente de percurso (que foi torcer o meu pé), o último post para o blog. Última semana, ainda mais assim, tão perto do natal, é uma correria danada. Deixei todas as compras que queria e tenho que fazer para última hora e agora estou tendo que me desdobrar pra dar conta de tudo. Hoje por exemplo fui me vacinar contra febre amarela, que preciso porque já faz dez anos que me vacinei. Assim, vence e eu posso ter problemas pra viajar. Sei que isso, que devia ser algo simples, acabou virando um stress. Cheguei no posto de saúde e me disseram que só vacinavam contra febre amarela nas segundas-feiras (quem intitulou a segunda como dia da febre?). A enfermeira me disse então que eu devia ir até o ministério da saúde. Depois de tomar o coletivo errado e parar em Luque (que é uma cidade perto de Asunción), tive que pegar outro busão até o ministério. Chegando lá, não tinha ninguém na recepção nem em lugar nenhum, fora um murmurinho que vinha do andar de cima. Um moço apareceu e perguntou o que eu queria e, depois de minha breve explicação, assumiu que eu tinha escolhido um dia ruim. Todos os funcionários tinham parado de trabalhar depois das onze horas para o almoço de fim de ano. Eu entrei em desespero, comecei a explicar que tinha que me vacinar de qualquer jeito senão não poderia viajar, etc e etc e tal e o homem disse então que ia ver o que faria. Eu estava a meia hora esperando quando apareceu um rapaz e me disse que eu não seria atendida se não subisse lá no almoço e fizesse uma ‘’greve’’ na porta da sala de vacinação. Segui seu conselho e subi. No andar de cima tinha uma mesa gigantesca improvisada, com umas cem pessoas almoçando e fazendo aquela farra. Simplesmente quase todo mundo virou a cabeça para me olhar quando apareci pela escada. Uma intrusa, uma paciente no lugar errado, na hora errada. Eu, claro, fingi que nem era comigo. Perguntei pra um cara que estava filmando a festa onde ficava a sala de vacinação e ele me apontou, meio sem entender. Quando estava indo em direção à tal sala, duas mulheres começaram a dizer que eu devia voltar outro dia, que ninguém estava trabalhando .Insisti no meu drama que tinha que tomar a vacina de qualquer jeito. Sei que na confusão apareceu um doutor e pediu para eu esperar um pouco na tal sala. Vieram duas enfermeiras-anjos que caíram do céu e me vacinaram, em exatos 4 minutos e me liberaram, sem perder o bom humor e voltaram para a festa, enquanto eu voltei pra casa. Exausta, mas aliviada (e vacinada!).
Falando em natal...é natal em Asunción. Enquanto eu percebo que chegou o natal pelas vinhetas da rede globo (hoje é um novo dia de um novo tempo...) os paraguayos devem perceber pelo início de vendas de presépios nas ruas. Em toda esquina tem gente vendendo presépios, de tudo quanto é tamanho e cor, com manjedouras feitas de madeira e palha. Também vendem uma flor muito esquisitona, oval e muito comprida, que chamam de flor de coco. O ‘’bicho’’ tem uma casca dura marrom meio aveludada e quando você passa a faca de um lado ao outro ela vai se abrindo aos poucos e revelando o seu interior, com um tipo emaranhado de trigo e um cheiro gostoso. Aqui todos dizem que esse é o cheiro do natal e em toda casa tem dessa coisa. Eu sei que parece uma coisa de outro mundo. Mas a verdade é que para mim foi mesmo. Nunca tinha visto esse trem na vida. Fui ver pela primeira vez quando trouxeram aqui em casa, somando com os outros preparativos natalinos. Na minha casa está tudo muito natalino. Árvore enfeitada, corrimão idem, sacolas dependuradas na parede cheias de presentes (tipo essas meias dos norte-americanos) , cestas recheadas na sala e presentes embaixo da árvore. Inclusive tem uma caixa lá, com meu nome e tudo. Pena que não estarei mais aqui, mas prometi só abrir no dia 24, igual uma boa menina.
Sabe quando pulamos muito tempo numa cama elástica e quando descemos dela parece que não sabemos mais andar? É esse o meu medo quando voltar pra ‘’vida real’’. Nós intercambistas sempre usamos o termo ‘’vida real’’ para remeter ao que deixamos para trás. Sei que parece estupidez, mas depois de tanto tempo fora, fico em dúvida sobre do que se trata o que deixei para trás. Tenho, inclusive, que fazer um certo esforço para recordar o que estava acontecendo por aquelas bandas quando eu parti e o que encontrarei quando voltar. Fora a reviravolta que anda minha cabeça e o meu coração com a idéia de amputar tantas pessoas assim da minha vida, quase como de repente, sem prazo determinado. Já foi um tanto quanto complicado deixar tantas pessoas queridas no Brasil, mas ao menos eu tinha a certeza de tê-las de volta ao regressar. Aqui já não existe nenhuma certeza. O ‘’a gente vai se ver de novo’’ é apenas a promessa do querer mesclada com o medo do nunca mais.

domingo, 29 de novembro de 2009

Paraguay Parte XI: ''Impossível não entrar nessa onda deles''

Algumas coisas complexas sobre o Paraguay e principalmente, sobre o seu povo, só começaram a fazer sentido para mim por agora, no final da minha aventura paraguaya. Acho que faltava algum paraguayo com sangue frio o suficiente para meter o dedão na ferida e falar deles mesmos com honestidade, sem firula, sem querer ficar competindo, contando vantagem para parecerem melhores ou sei lá que coisa (o que acontece com muitos por aqui). Esse amigo novo, o Ale, abriu a minha cabeça ao ponto de eu chegar em casa com um semi-desespero para escrever, coisa que eu não sentia já fazia algum tempo. Que a guerra do Paraguay foi aquela doideira covarde nojenta todo mundo sabe e reconhece. Temos sorte de ter passado da fase em que ensinavam nas escolas brasileiras que devíamos nos orgulhar da chacina que fizemos. Alguns relatos sobre a guerra dizem inclusive que o exército paraguayo (que praticamente já não existia) em suas batalhas finais, com a finalidade de tentar barrar o avanço dos soldados da tríplice aliança sobre a capital, convocava crianças, lhes davam pedaços de madeira com algo pontudo na ponta e faziam barba e bigode de carvão neles para parecerem homens feitos. É difícil imaginar que loucura foi isso. O fim a gente já conhece. Morreram quase todos os homens, sobrando mulheres, velhos e crianças. O país, sem homens para procriar, começou a dar um valor absurdo aos seus machos, detentores da única possibilidade de repovoar a nação. Aí que começa o quilombo! Os paraguayos passaram a ser sultões das Arábias, cheios de mulheres que faziam de tudo por eles e para eles. Todo homem passa a ser fodão e a mulherada passou a cumprir o papel de faz-tudo dentro e fora de casa. ‘’Porque os homens são felizes assim, tomando tererê e vendo a mulher prover de tudo’’. Palavras do Ale, em forma de ironia, claro, que reflete algo que eu nunca havia digerido muito bem até agora: o forte machismo que fica pairando no ar por aqui. Isso vale inclusive pro comportamento em balada. É difícil algum cara ficar de troca de olhares, te convidar pra conversar, te pagar um trago (como eu estava acostumada no Brasil). A senha aqui é chamar pra dançar querendo chamar pra ficar. Se a menina aceita dançar está dizendo que sim, aceita dar uns beijos também. É a maior cilada pra quem é inocente e gosta de dançar. Outro reflexo da guerra na cultura do país é o modo ‘’kaigue de ser’’ dos paraguayos. Kaigue é uma palavra em guarani que quer dizer entediado, à toa, tranqüilo, acomodado. Depois de tanto sofrimento, de tanta guerra, a população ficou traumatizada. Simplesmente encheu o saco de tanta dor e violência. E passaram por um processo natural de ‘’paz e amor’’ que domina o modo de pensar do povo aqui. Isso, obviamente, tem seus dois lados. A tranqüilidade paraguaya diminui os índices de violência. Por incrível que pareça, devido à pobreza e tudo, os homicídios e crimes bárbaros não são freqüentes. Enquanto no Brasil desfilar com uma BMW é um convite pra ser roubado, aqui muito provavelmente você será invejado, nada mais. Você passa e ao invés de pensarem ‘’que belo carro, vou roubá-lo’’, pensam ‘’puta que pariu, que belo carro, muito doido!’’ e ponto. Claro que isso não é regra, mas faz certo sentido. A tranqüilidade também é gostosa porque o ritmo de tudo é mais lento, como uma cidade do interior, o que particularmente me encanta. A ‘’hora paraguaya’’ é sempre uma hora depois do combinado. E não é um stress, uma loucura, um pânico para cumprir horários, para dar conta de tudo (eu sei que em outro post eu assumi que a ‘’preguiça paraguaya’’ era uma das coisas que me irritavam, mas é bom entender que eu não tenho uma mentalidade tão inflexível assim). Contudo, a tranqüilidade também é cômoda, o que explica a ausência de uma organização popular forte para desenterrar o país da ditadura, por exemplo. Ale me explica que o golpe que tirou Strossner não teve nenhuma participação popular, exceto pela parte da festa pós-golpe. Ele lembra ( tinha onze anos na época) que foi uma ‘’farra...farra...e mais farra nas ruas da cidade’’. Em suas palavras, de novo. Outro exemplo é que todos os dias sai uma notícia que foi encontrada mais uma filha de Lugo perdida por aí e até o momento nenhum paraguayo, nenhuma alma revoltada se prestou ao trabalho de colocar uma faixa na frente do palácio do governo como ‘’Lugo, seu bispo sem vergonha!’’. Porque aqui, está tudo bem. Ninguém se importa e qualquer movimentação pode ser cansativa, ser violenta. E ninguém quer mexer com nada disso. O povo quer ter comida, estar bem perto de sua família e tomar seu tererê em paz, com calma, bem tranquilamente.

A instituição família está em um pedestal no Paraguay. A família deve estar sempre unida, almoçar juntos, se falarem todos os dias, etc, etc, etc. Sempre que conto a minha situação familiar caótica (pais morando em Fortaleza, irmãos em Sampa e eu sozinha em Belo Horizonte), o pessoal faz uma cara de espanto, de assombro, não conseguem entender como nos separamos e ainda somos uma família e somos felizes desse jeito. Para o paraguayo, só existe felicidade se você está sempre muito próximo de sua família. Essa valorização exacerbada implica que eu tenho que valorizar muito a minha família daqui. Até porque é impossível eu ficar apática com as demonstrações diárias escancaradas de amor e carinho, como presentes, abraços, conversas sinceras. Impossível não entrar nessa onda deles, de que faço realmente parte dessa família. Mesmo quando Dotti, meu ‘’irmão’’, me joga no chão e me imobiliza para me irritar, não posso deixar de ter a certeza que ele só faz isso porque realmente me considera sua ‘’irmã’’ e irmãos de verdade brigam, não tem jeito.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Paraguay Parte X: ''O medo aflito do fim''

Coisas que eu vou sentir falta do Paraguay...
• O idioma. Parece fácil mas não é!
• O almoço em família
• O tererê. O preparo, o ritual, o tempo todo, tão maravilhosamente viciante.
• A risada exagerada de Dotti.
• Meu nome pronunciado estranho.
• A ‘’atôisse’’
• As longas conversas com o Bê, no quarto, no terraço, na rua, em qualquer lugar.
• Os ipês-rosas.
• O lomito árabe.
• O prazer inexplicável de receber um telefonema do Brasil.
• A mandioca frita de 4000 gs no Brittania.
• As tilangas do reggaeton.
• A temperatura (no mínimo desafiante) do país.
• Os meus amigos e amigas.
• A minha família paraguaya.
• O Guarany, falado espontaneamente no meio de uma frase, normalmente em forma de insulto.
• O preço das coisas.
• O coletivo, cada um de um jeito, sempre uma adrenalina incrível.
• Pegar o ônibus em qualquer lugar, sem preocupar com ponto.
• A cachaça paraguaya...barata, boa e sem dor de cabeça.
• O álcool gratuito do Pirata
• As festinhas na casa do Adler!
• Simpsons em espanhol.
• Desenhar com o Tobias.
• Acordar com falação, barulheira e entra e sai.
• Os conselhos sentimentais de Julissa. ’’Nooooooo, Lu!’’
• O senso de humor do Dani.
• Ensinar português.
• A incrível leitura de cartas da tia Mirna
• O ‘’toc, toc, toc’’ do Doug no meu quarto
• A cerveja compartilhada mão-a-mão, gole-a-gole.
• As aulas de locução na rádio para tirar meu sotaque de português.
• A sopa paraguaya.
• O prazer de ser ouvida com curiosidade sincera.
• O prazer de ouvir com curiosidade sincera.
• O auto-conhecimento radical.
• O medo do começo.
• O medo da metade do caminho.
• O medo aflito do fim.

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Paraguay Parte IX: ''morrendo de orgulho de mim mesma''

Em teoria, nós estudantes de intercâmbio temos que ter um visto de estudantes para justificar nossa permanência no país. Contudo, não é bem isso o que acontece. Como o processo de tirar um visto é complicado, burocrático, lento e, principalmente, caro, os estudantes acabam criando um outro mecanismo muito simples de se manterem legais aqui no país. A gente pega um ônibus, sai do país, carimba o passaporte e volta.Grande parte dos brasileiros elegem Foz para fazer essa proeza. Quando eu fui até lá eu podia ter feito isso, mas o coletivo que eu e Rô tomamos pra voltar pro terminal rodoviário em Ciudad Del Este não parou na Aduana, passou direito, assim que não selei os meus documentos. O jeito foi encontrar outra fronteira básica pra atravessar. Escolhemos Clorinda, a cidade Argentina mais próxima. Chega a ser ridículo. Você toma um coletivo de 2100 gs para chegar à avenida onde você toma um outro ônibus de 5000 gs. Ou seja, você vai para outro país em uma hora e gasta o equivalente a R$3,50 (um pouco menos). O chato é que Clorinda não tem nada. Chegamos na fronteira, pegamos uma caroninha até o centro da cidade e almoçamos. Depois ficamos vagando no ‘’nada pra fazer’’. Todo mundo parecia estar mimindo e a cidade ficou esquecida durante toda a tarde. Parecia que só tinha a gente procurando alguém ou alguma qualquer coisa pra fazer. Nessa viagem o Dani não foi porque tinha que estudar. Assim que ele logo precisou fugir do país antes que vencesse seus 90 dias de turista espanhol. Como falei muito mal de Clorinda, que era uma cidade em vão no mundo, nos organizamos pra ir um pouco mais longe, em algum lugar que de fato tivesse algo pra fazer. A elegida foi Formosa, também na Argentina. A viagem é mais longa, três horas de ônibus. Chegamos em um domingo e nem pensamos em trocar pesos em Asunción, pois pensávamos em trocar o dinheiro na Argentina. Quando chegamos lá não havia nada aberto (só pra variar). Furamos nossos olhos com uma mulher que vendia chipas na rodoviária. O câmbio inventado por ela era absurdo, trocamos nossos guaranis como se peso argentino fosse real. Mas precisávamos ao menos ter dinheiro pra tomar um ônibus até o centro e achar um banco pra sacar dinheiro. Então tivemos que engolir a facada sem pestanejar. Formosa é uma cidade bonita. É banhada pelo Rio Paraguay e uma de suas avenidas principais, a 25 de maio é larga, com lojas, bares, restaurantes. Passeamos um pouco no centro e depois fomos para a Biósfera, que é uma reserva natural da Laguna Martin Garcia. É como uma praia, famílias fazendo piquenique, casais de namorados deitados na areia, crianças brincando na beira d’água, além de um cais rústico de madeira e barcos. Nesse cais vi o pôr-do-sol mais impressionante da minha vida. O sol tava com um tom vermelho escuro inexplicável e todo o cenário ajudava pra compor fotografias dignas de descanso de tela. Eu e Dani voltamos da biósfera de carona antes que os borrachudos decidissem carregar a gente de volta. Compramos a janta num supermercado e alugamos um quartinho pra passarmos a noite. O chuveiro do banheiro ficava em cima do vaso sanitário, causando uma bagunça. Problemas de quem precisa economizar a qualquer custo. Jantamos sanduíches de presunto, salaminho e queijo com coca-cola em cima da cama e depois saímos pra tomar uma cerveja argentina. A companhia de Dani é perfeita pra viajar. Não só pelo fato dele ser completamente bobo que nem eu e me fazer rir o tempo todo, mas também porque passa uma tranqüilidade incrível, como se nada nunca fosse perrengue suficiente pra ele. Com ele eu animava ir até o Haiti, a Bósnia ou qualquer outra péssima idéia, que com ele não parece tão péssima idéia assim.

Essa semana eu tive que apresentar um trabalho da disciplina mais bacana que faço aqui : publicidade. Em tese, eu devia apresentar esse trabalho em grupo. Todavia, meu grupo nunca me convidava para as reuniões, fingia não entender minhas sugestões e sempre que podia me deixava de fora, como ‘’não se preocupe, temos tudo sob o controle’’. Decidi então falar com o professor que eu faria sozinha, eu e eu mesma, todo o trabalho prático. A proposta era escolher uma marca (ou criá-la) e depois desenvolver toda a campanha, incluindo a tabela de custos (coisa que eu nunca tinha feito antes). Eu optei por criar uma marca de serviço de internet sem fio, ‘’Eurus’’ e desenvolver toda a sua campanha de lançamento, usando o Papa-léguas (aqui ele chama Correcaminos) como garoto propaganda. E, como eu tive esse problema com o grupo, tive apenas uma semana pra tudo (sendo que o normal era mais de um mês). O desafio me enlouqueceu. Passei a semana toda infurnada no computador desenvolvendo propaganda pra revista, banner em flash, spot pra TV, outdoor (esse último ‘’with a little help from my friends’’ de Belo Horizonte). E trabalho escrito e apresentação em powerpoint e ensaiava a argumentação, a defesa. Quando cheguei na aula para apresentar, tinha um outro colega que ia apresentar antes de mim, também sozinho, por algum motivo. O coitado era interrompido de dois em dois minutos pelo professor, que criticava, criticava, fazia cara feia e criticava mais um pouco. O Sr.Rúben Ovelar é o bambambam da publicidade Paraguaya, o cara que mais entende disso no país, que trabalha com isso desde que começou pequenininho por aqui. O meu coração disparando, o medo crescendo, a mão tremendo, as pernas bambas. Respirei fundo, mentalizei coisas boas, pensei que tudo daria certo e apresentei. No início gaguejei um pouco o espanhol, mas depois fui ganhando confiança no que eu estava fazendo, no que eu estava defendendo e deslanchei, perdi o medo. Apresentei sem travar e cheguei no fim. O professor ficou todo o tempo calado, no final fez uma pergunta sobre os custos, eu respondi com calma e ele finalizou, dizendo que o trabalho estava muito bom e que me admirava, pois sabia o quanto era complicado apresentar um projeto em outro idioma. A classe toda bateu palmas e depois várias pessoas , que nunca nem sequer tinham falado um’’A’’ comigo (essa turma é a que eu menos gosto, a mais fechada, talvez por estarem formando já) vieram me elogiar, dizendo que ficaram muito impressionados e tal. A sensação de missão cumprida é orgasmática. Voltei pra casa sorridente, igual boba, morrendo de orgulho de mim mesma.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Paraguay Parte VIII: ''batendo um frio na espinha''

Às vezes paro para pensar como será quando eu voltar pro Brasil. Voltar pro meu dia-a-dia, minha família, meus amigos, minha casa, meus gatos, meus butecos, minhas baladas de BH, minha faculdade, minha vida. Isso que é o mais estranho: ter a segurança que a minha vida é na verdade lá, não aqui. É óbvio que eu não acordo e me assusto todos os dias, pensando ‘’ondiéqueutô’’, mas eu tenho noção que esse quarto não é de fato o meu quarto. Essa não é a minha cama (eita colchãozinho maldito) e essa casa não é a minha casa. Outro dia despertei muito triste, pensando em como eu queria o colo de minha mãe, os conselhos de minhas meninas.Ao mesmo tempo tava me batendo um frio na espinha de pensar que tudo estava mudando e que eu podia voltar e estar tudo estranho, fora do lugar. Fui almoçar e Juli, uma peruana linda muito minha amiga veio conversar comigo e falou uma coisa muito verdadeira. Ela disse que certamente estaria tudo estranho, tudo fora do lugar, tudo mudado não porque as pessoas tenham se transformado, mas porque eu tinha me transformado completamente. Eu iria ser a ‘’mudada’’ da história. Pensando dessa forma, fiquei mais tranqüila, menos preocupada com o futuro. Medindo forças com a saudade do Brasil existe o outro lado da moeda, onde fica o medo de ir embora e deixar aqui tanta coisa que agora faz parte do meu mundo, faz parte de quem eu sou. Isso inclui, obviamente, meus amigos e amigas. Me dá até um aperto pensar na possibilidade de não ter minhas meninas daqui pra jogar conversa fora, falar bobagem. Não ter o Doug cantando sertanejo a toda altura pra me acordar, gritando um ‘’Luizaaaaaaa, você tá dormindoooo?’’ só para ouvir o meu mau-humorado ‘’Não mais.’’ Fora as meninas da faculdade, super carinhosas e preocupadas comigo…O Guille, doido, bobo, meu irmãozinho. Ou o Dani. Um espanhol incrível, companheiro diário de tonteria, que quero levar comigo pra casa. Daqui só restarão as lembranças, o carinho que tenho por essas pessoas lindas, que seguram minha onda, me fazem ter a certeza que faz algum sentido eu estar aqui. Aqui as emoções são super radicais, exageradas. Pela manhã você pode se sentir a pessoa mais sortuda e feliz do mundo e pela noite estar no fundo do poço, se achando a pessoa mais idiota. O mesmo acontece com as relações afetivas. É carinho, é desgosto, é paixão, é ciúme, é amor, é ódio. E ainda tem a vontade de vomitar certos sentimentos…de dependência (da faculdade, das pessoas), de intolerância, de choque com o diferente. O mecanismo de sobrevivência aqui nesse intercâmbio é louco. Ao mesmo tempo que impera o ‘’cada um por si’’ existe um bizarro ‘’um por todos e todos por um’’.

O Paraguay é o único país da América do Sul bilingue. Além do espanhol, seu idioma oficial, existe o Guarani, idioma nativo indígena que perdura até os tempos de hoje, apesar de todos os pesares. A colonização espanhola, que impôs o castelliano como idioma, somada aos vários anos de ditadura militar, que proibia o Guarani por temer conspirações contra o governo, enfraqueceu a proliferação da língua em todo o país. Contudo, o Guarani permaneceu sendo ensinado de geração para geração mesclado com o castelhano, em uma nova forma lingüística chamada ‘’Jopará’’. Guarani é complicadíssimo. Seu alfabeto conta com vocais orais, vocais nasais e várias consoantes duplas; como ‘’nd’’. O meu professor de Guarani, Daniel, diz que eu aprendo rápido, que se eu realmente quisesse falar, em dois ou três anos estaria fluente. A didática inclui guaranias (músicas populares cantadas em guarani) e poesias. O meu objetivo fica longe da fluência. A curiosidade é o motivo que guia as minhas aulas. A fonética estranha do Guarani gera uma aula de caretas, entorta-boca, grunhidos e gemidos. É difícil, mas vale a pena. E é engraçado quando descubro que tem alguma relação com algumas coisas em português. Por exemplo,a música ‘’sapo Kururu na beira do rio’’. Kururu é sapo em Guarani. Assim…’’Sapo sapo na beira do rio’’. Que música mais boba!

Outro post curtinho. Eu sei. Melhor que nada...

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Paraguay Parte VII ''um disse-me-disse que nossa senhora!''

Coisas irritantes do Paraguay:

Os pernilongos diabólicos. Eles chegam de fininho, em bando, quase sem fazer barulho…mas quando você vê, lá estão: o exército de insetos do mau contra você, um pobre ser humano. Eles picam qualquer parte sua que esteja a vista, mesmo as menos cotadas, como pálpebras, cotovelo, palma da mão. Não te deixam dormir. São organizados e estrategistas. É impossível vencê-los.

A preguiça Paraguaya. A aula está marcada para seis da tarde. Mas os alunos chegam seis e vinte e a professora seis e meia. A aula devia durar até sete e meia, mas todos chegam a um acordo idiota que é melhor acabar um pouquinho mais cedo, talvez sete horas. O comércio fecha as portas para o almoço. Uma da tarde é hora de almoçar em casa, fortalecendo os laços familiares. Mas parar de trabalhar durante uma hora é muito pouco para os Paraguayos, pois faltaria a sagrada hora da siesta pós-almoço. Ótimo! Vamos todos tirar um cochilinho e reabrir as postas do comércio, bom, quem sabe umas três e meia?

O fanatismo futebolístico. Se você acha que o Brasil é o país do futebol, onde todos são loucos por esse esporte, é porque ainda não morou no Paraguay. As propagandas na TV só conseguem pensar em um único tema: o futebol. Em toda campanha tá lá: criança com camisa da seleção, boazuda com camisa da seleção, casal de velhinhos com a camisa da seleção. Dia de jogo da seleção? É o único assunto, o único porquê de levantar da cama. Fecha o comércio, fecha a faculdade, fecha o trânsito. Os ônibus ficam lotados, a cidade fica violenta e não há policiamento, porque os policiais estão bêbados assistindo ao jogo. Se a seleção Paragaya ganha então (como aconteceu no jogo contra a Argentina)...o presidente Lugo declara feriado.Ai, ai, ai....

Morar na pensão da Cáti é garantia de confusões diárias generalizadas. Todo dia acontece alguma coisa bem doida, super incomum,como diria aqui no Paraguay, um ‘’quilombo’’! Agora descobri que o Estévan, argentino bom moço que mora por aqui , publica via internet , no facebook, todos os podres dos moradores da intitulada ‘’Pensión del Drama’’ (definição do Estévan, que eu apoiei e achei bem boa). A novela, que tá fazendo o maior sucesso entre os argentinos, deu o que falar por aqui também. Tá rendendo um bafafá, um disse-me-disse que nossa senhora! Sinceramente? Eu não tinha necessidade de sair daqui de dentro dessa casa para escrever centenas de casos. Misturar uma criança,doze jovens universitários de diferentes partes do mundo, um adolescente, dois adultos e uma velhinha é certeza de muita história pra contar! Dá a maior dor de cabeça mas eu particularmente adoro.

Peço desculpas mas esse post vai ser curtinho. Tô com a patinha quebrada e assim fica difícil digitar. Esse é só pra dizer que ainda escrevo, mesmo que de vez em quando. Juro compensar no próximo, quando minha patinha já estiver melhor.

sábado, 5 de setembro de 2009

Paraguay Parte VI ''sorriso de boba alegre estampado na cara''

‘’Puta que pariu!’’. A expressão mau educada foi a única que conseguiu escapulir de minha boca quando entrei em contato com uma das sete maravilhas naturais do mundo: as cataratas do Iguaçu. A paisagem parece tirada de um descanso de tela exagerado, feito no photoshop, com todos os recursos para uma visão paradisíaca, sobrenatural. O passeio pelo parque das cataratas impressiona, deixa as pernas bambas, o queixo mole. Quanto mais você caminha na trilha, achando que nada mais irá te assombrar, aparece na sua frente mais uma porção de quedas d’água maravilhosas, para compor a paisagem de forma mais e mais harmônica. O barulho da força das cataratas dá uma paz, uma serenidade, uma coisa diferente de tudo que eu já havia experimentado. O calor que estava fazendo, no céu absurdamente azul, sem nenhuma nuvem, só ajudou pra deixar tudo mais cinematográfico. Existe no meio do parque um corredor que te leva bem próximo a algumas cachoeiras, e de lá podemos sentir o sopro refrescante das águas. Fiquei ensopada, mas com um sorriso de boba alegre estampado na cara. Tudo lindo. Muuuito lindo. Uma apelação dos Deuses de tirar o fôlego. O dia já havia começado muito bem, com compras em Ciudad del Este, a capital da quinquilharia barata da América do Sul. Lá, meus perfumes prediletos , que eu chego a pagar 200 reais por míseros 50 ml, custam 80 reais. Desejo incontrolável de fazer a festa, levar a loja toda! O Rô, meu primo querido e companheiro de viagem, comprou um HD externo num shopping gigante de produtos de informática. Nesse shopping eu lembrava do meu pai o tempo todo. Meu pai sempre foi um amante e entusiasta de novas tecnologias. Ficava imaginando ele nesse centro, chamdo Lai Lai, com tudo escandalosamente barato e de última ponta. Dá até vontade de virar sacoleira, confesso. O mais estranho de Ciudad del Este é que, fora desse caos generalizado que é o centro de compras, a fronteira e a ponte da amizade, o resto da cidade é muito tranquilo. Não só tranquilo como também bonito, arborizado, organizado,com vias sinalizadas, cheio de praças. Uma cidade que até engana que é primeiro mundo, tipo europona. Essa viagem de bate-e-volta até Foz foi muito interessante. Eu e o Rô fizemos todo um estudo antropológico do transporte rodoviário paraguayo. Chegamos no terminal em Asunción calculando pegar o ônibus das 3 horas da madrugada. Contudo, apareceu um Zé, do nada, e nos ofereceu saída imediata, em um ônibus novo, com o mesmo preço das outras viações. A proposta nos pareceu uma boa idéia e aceitamos. Ao embarcar, percebo a furada. O ônibus é super velho, meio caindo aos pedaços e a poltrona inclina, mas depende do meu peso apoiado para se manter inclinada. Ou seja, deito e ela deita. Levanto e ela volta pro lugar. Um ''siga o mestre'' irritante. Até aí tudo bem, pequeno detalhe. O busão entra em movimento e nada da luz apagar. O ar condicionado parece estar no topo de sua capacidade, no máximo. Faz muito frio e começa a ficar meio incômodo. O motorista é um sem noção, que começa a ouvir música alta, impedindo que eu possa sequer tentar dormir. Quando eu acreditava que nada mais podia piorar vem a demora do trajeto. O ônibus pára de quinze em quinze minutos pra pegar jecas no meio do caminho e enche. Não só as poltronas numeradas, mas os corredores e qualquer centímetro de espaço que estava dando sopa. Gente, gente, mais gente que não acaba mais. O pesadelo dentro do coletivo durou seis horas. Frio, luz acesa, sem poder dormir ouvindo a cumbia do motorista com mais oitenta mil pessoas se esmagando. O mais legal é que esse transporte do mau foi parado pela polícia e liberado (com obviamente uma propinazinha básica) em menos de um minuto. Vergonha. A volta já foi bem menos traumática. Não tinha ar condicionado, nem cumbia, muito menos luz acesa. Parou menos que o primeiro e foi lotado apenas durante poucas horas. Na verdade, não reparei porque estava exausta, e vim dormindo. Mas, para não decepcionar os meus conceitos pré-existentes sobre o serviço rodoviário paraguayo, o veículo quebrou na entrada de Asunción. Um viva para a aventura que é viajar no país. Prometo nunca mais reclamar dos ônibus rodoviários brasileiros.

Normalmente voltamos da faculdade juntas. O caminho é longo e é bom quando temos companhia... Conversando o tempo passa bem mais rápido. Estávamos voltando eu, Vanessa e Ju quando um gatinho atravessou a rua correndo. Ele era do tipo vaquinha, preto e branco com cara de carente. Chegou super simpático, olhou pra gente e ficou todo animado com nosso carinho. Irresistível não levá-lo pra casa. No caminho pensávamos o que faríamos com o novo morador. Várias idéias passaram pelas nossas cabeças: mantê-lo escondido durante todos os seis meses; colocá-lo em uma caixa,enfeitá-lo com um lacinho e dar de presente à Cáti; chegar em casa e dizer a máxima ‘’ele nos seguiu até aqui’’ e outras, cada vez menos brilhantes e mais engraçadinhas. Enquanto não criávamos uma boa estratégia, ficamos com o Sr.Michi Morosini escondido (Michi é uma forma de dizer gatinho em espanhol e Morosini é o nome do Secretário da UNA, que atua como nosso super herói por aqui). O esconde-esconde durou oito dias, até que o gato ingrato fugiu da nossa kitnet e foi pro quintal...somente para ser descoberto. Cáti então nos deu um ultimato para encontrarmos um lar pro bichinho, já que temia que ele comesse seus papagaios analfabetos ou infernizasse a vida de seus piriquitos sexopatas. O ultimato funcionou, colocou a gente pra procurar casa pro Morosini. Traçamos um plano de ação: pregar cartazes de ‘’adoptame’’ nas ruas e fazer contatos com ONGs e grupos de apoio aos animais abandonados. A procura funcionou. Descobrimos que tinha uma feira de adoção num domingo a tarde num estacionamento de shopping e levamos o nosso gatinho. Para nossa surpresa, a veterinária responsável pela feira atestou que o Michi na verdade era a Michi. O gatinho mudou de sexo, virou menina. Durante a feira ficamos super nervosas, esperando o resultado da empreitada. Dávamos voltas e voltas no shopping pensando na bichinha na gaiola,esperando alguém se encantar com sua carinha de anjo. Pobrezinha. Felizmente e finalmente, Srta.Michi Morosini foi adotada por uma família de bom coração. A nossa saga felina havia terminado. Com um final feliz!

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Paraguay Parte V ''a gente sofre mas a gente ri''

Acho muito engraçado quando lembro das coisas que ouvi a respeito do Paraguay ao sair do Brasil. A maioria eram piadinhas bobas, mas que escondem preconceitos sérios, idéias distorcidas sobre um país vizinho vazio, sem história, sem cultura, sem dinheiro, sem poder, sem cérebro. Uma nação onde tudo se resume a muamba, contrabando e falsificação. É natural, confesso que também carregava muitos preconceitos e que sabia quase nada sobre a história Paraguaya. Não sabia, por exemplo, que a ditadura do general Alfredo Strossner foi a mais longa da América Latina, punindo o país durante trinta e cinco anos. A ciudad del Leste, da ponte da amizade (da parte onde parte dos preconceitos se justifica), se chamava Puerto de Strossner até sua queda em 1989, qundo houve um golpe de estado para retirar o ditador do poder, liderado pelo também militar Andrés Rodríguez. Strossner recebeu exílio em Brasília onde viveu até 2006, quando morreu doente. O partido colorado, de extrema direita, deitou e rolou no poder por mais de sessenta anos. Assim, a eleição de Fernando Lugo representa aqui a primeira grande mudança política no país. Tá que Lugo está envolvido em escândalos sexuais, coisa e tal, mas ainda assim é uma figura forte, com um carimbo de ‘’democracia’’ estampado na testa. Isso me lembra uma piadinha paraguaya muito boa. Na sua campanha presidencial, havia um jingle que dizia que Lugo tem coração. Depois das denúncias de que o bispo havia engravidado moças, o povo mudou o jingle para ‘’Lugaucho (o mesmo que mulherengo) tiene corazón, pero no usa condón!’’ (tem coração, mas não usa camisinha).É aquela história...a gente sofre mas a gente ri. Eu achei estranho o Brasil ter dado exílio político ao Strossner. Na verdade, eu acho estranho como que os paraguayos não odeiam o Brasil. Fora o genocídio na desastrosa guerra da tríplice aliança (que nós chamamos de guerra do Paraguay), o Brasil mantém até hoje o tratado de Itaipu, herança dos tempos da ditadura que é um tanto quanto injusta. Apesar de ser uma hidrelétrica considerada binacional, o Paraguay só faz uso de duas turbinas e é obrigado a vender o seu excedente ao Brasil a preço de banana, isso até 2023, pelo menos. Enquanto a gente tem o costume de meter o pau nos paraguayos, eles, que têm motivos para nos detestar, nos adoram e só pedem por justiça, nada mais. Quando discuto essas questões com o pessoal daqui, juro que dá vergonha de já ter tido uma cabeça tão pequena sobre esse país, sobre esse povo. Grande parte dessas histórias que eu contei aqui eu vi num documentário excepcional, chamado ‘’Paraguay, mi tierra olvidada’’ (Paraguay, minha terra esquecida). Aliás, essa semana está tendo aqui o festidoc, um festival de documentário sensacional, mas que infelizmente coicide com meus horários de aula, então quase não tá dando preu aproveitar. Assisti também ‘’La ciudad de los fotógrafos’’, um filme chileno sobre os fotógrafos independentes na ditadura de Pinochet; ‘’La otra copa’’, argentino, muito divertido, sobre a copa do mundo de moradores de rua (que eu nem sabia que existia) e ‘’Vengo de un avión que cayó en las montañas’’, particularmente, o meu favorito. O documentário uruguayo/francês é uma coletânea de depoimentos de sobreviventes ao acidente aéreo, aquele que caiu nos Andes em 72. Os relatos são impressionantes, fiquei muito emocionada. Olha que eu sou difícil de fazer chorar em filme. Tem uma hora que eles estão descrevendo como que organizavam expedições, com o intuito de encontrar ajuda e então um dos caras narra que o único objetivo dele era andar na neve, dormir e continuar andando no dia seguinte. A noite era extremamente gelada então ele só conseguia dormir no meio do nada porque a exaustão o obrigava. Acordava com o sol batendo em seu rosto. É muito bonito, ele descreve esse sol como uma mão de Deus, que fazia com que ele tivesse esperança, tivesse paz, por alguns segundos. É incrível como o cara nessa situação horrível consegue se alegrar, se apoiando numa fé inventada por ele, para ele. A sobrevivência inverossímel dessas pessoas, durante 72 dias no meio do nada, comendo pasta de dente como sobremesa, me fez me sentir minúscula, uma gotinha d’água na tempestade. Me fez olhar para muitas coisas que eu dou um valor gigante de outra forma, mais pé no chão. Esse documentário é incrível...Eu recomendo.

Aqui em Asunción os cassinos e bingos são legais. Eu nunca havia entrado em um cassino e assumo que fiquei me sentindo bem hollywoodiana no ambiente. Quem nos levou foi o Guille, mi hermanito, primeiro secretário e guia de baladas e perdições asuncionenses. Estávamos procurando um bar pra beber na cidade, e em todos que passávamos estavam meio as traças, com pouquíssimas pessoas. Foi quando o Gui sugeriu tomar uma cerveja num cassino, pra gente conhecer. Lá, ao contrário de todos os outros bares, estava bem cheio. Eu achei muito legal. Além das diversas máquinas de caça-níquel, haviam mesas para jogos de cartas (blackjack) e roletas. Os funcionários usavam aqueles uniformes que a gente vê em filme e tudo era meio avermelhado. Ah! E não tem janelas, pras pessoas perderem a noção de tempo (entra dia, sai dia e o pobrezinho tá lá, apostando a casa, o carro, a mãe, o cachorro). Outra coisa interessante é que não é permitido tirar fotos, pra garantir a privacidade dos apostadores. Eu tirei uma foto, mas bem rapidinho, só pra ser xingada e ter pelo menos um registro. Na parte mais distante das mesas de apostas tem um restaurante e um bar com palco, onde ficamos. Estava tendo um show de um trio que tocava umas milongas, cumbias e tangos. Muito bacana. A cerveja aqui parece até que é tabelada. Em todo lugar que vamos pagamos 9000 guaranis, independende do grau de requinte da balada, do bar ou do pub. Claro que se formos comprar num mercado ou um supermercado é bem mais barato, mas fora é sempre o mesmo preço.

Existe aqui perto uma cidadezinha bem interiorana que se chama Areguá. Sábado nós fomos conhecê-la, pois estava rolando a feira anual do morango. Era uma feirinha muito bacana, com barraquinhas em fila indiana, no meio da estrada,vendendo morangos (obviamente) e uma porção de derivados: morango com chantilli, torta de morango, mousse de morango, bolo de morango, bombom de morango, chupa-chupa de morango, licor de morango, sorvete de morango, suco de morango, marmelada de morango, alfajor de morango e geléia de morango. Já deu pra perceber que maravilha que foi a brincadeira. Tudo muito delicioso, absurdamente bem feito e barato. Saimos de lá passando mal de tanto morango que consumimos. Tivemos a impressão que movimentamos bruscamente a economia da feirinha, pois ficamos numa gastação incrível, experimentando de tudo um pouco. Só o suco eu repeti três vezes...hummmm, delícia! Tomara que sábado que vem apareça uma feira do limão,do figo ou do maracujá.

sábado, 15 de agosto de 2009

Paraguay Parte IV ''boquiabertas com tudo''

A distância entre a minha casa e a faculdade é de vinte e duas quadras. A primeira vez que fiz essa contagem, no mapa, fiquei meio assustada, desanimada de fazer o percurso andando. A idéia de ir a pé veio da necessidade básica de fazer o dinheiro render, visto que a bolsa que ganho aqui é miserável, deprimente. Confesso que depois da primeira vez, que é sempre muito delicada, depois fica bem fácil fazer de novo e de novo. O caminho é bem residencial, com casas de muro baixinho, bem fáceis de assaltar e cachorros deitados nas soleiras. Toda casa que se preze merece um cachorro. Assim, quase todas as casas tem um ou dois exemplares, que me acompanham com o olhar enquanto eu passo. Além de casas, tem alguns butecos e mercadinhos. O meu favorito fica bem no início do percurso porque ao invés de ter um cachorro na entrada, tem um gatinho-vaquinha muito simpático, que deixa eu fazer carinho e matar um pouquinho de saudades dos meus felinos em BH. Na pensão não tem cachorro, muito menos gato. Tem duas tartarugas sem sal, que eu só me recordo que existem quando aparecem no meio do meu caminho, dois periquitos, que só querem saber de namorar e dois papagaios. Os papagaios moram bem na frente da minha janela, e gritam loucamente umas nove horas da manhã. Eles não falam espanhol, nem guarani, o que me leva a acreditar que eles são analfabetos. Apesar disso, eles são legais. Sempre coloco um pedaço de maçã pra ver eles brigando entre si por causa da fruta. Um pega, depois o outro rouba, depois o outro fica puto e pega de novo, e assim por diante. É legal ter eles em casa, apesar de serem bem menos interessantes que os meus felinos, que falam, brigam, assistem TV, fazem graça,ficam de mau, etc, etc, etc. Ê saudade!

Numa festa semana passada eu conheci um paraguayo muito bacana que trabalha com hiphop. Ele faz produção de eventos, canta, dança e ensina, tudo relacionado com o mundo da black music (apesar dele ser branco. Não existem negros no país). O cara tem um projeto muito doido, de ensinar hiphop pra crianças deficientes mentais, além de patrocinar oficinas pra jovens carentes. Fui convidada a conhecer um projeto que tava rolando, de duelo de break dance, no centro da cidade, domingão a tarde. Assumo que acordei super preguiçosa, de ressaca, e mal lembrava do convite. Falei com a Babita do programa esperando ouvir um ‘’ah que preguiça’’ que legitimasse a minha falta de disposição e me surpreendi com um ‘’legal, vamos aprontar e ir então’’. Ok. Chegamos no clube e entrei cheia de preconceitozinhos, esteriótipos de que era um ambiente ‘’barra pesada’’, escuro, submundo do mau. Felizmente, me enganei por completo. O pessoal era super tranquilo, puxaram papo comigo, ofereceram bebida, convidaram para dançar. Quando chegamos estava terminando uma apresentação de rap de improviso no palco, muito legal. Aí começaram os duelos de break. Os meninos eram sensacionais, super desenvoltos, davam piruetas, saltos, rodavam no chão, dançavam super bem. E além disso, eram super gracinhas uns com os outros: abraçavam antes de duelar,desejavam sorte e depois ficavam fingindo que se odiavam, pra dar aquele clima de duelo. Eu e Babita ficamos boquiabertas com tudo, amando cada movimento da rapaziada. Quando não estávamos paralisada, vidradas com as apresentações, tirávamos fotos e filmávamos, numa tentativa desesperada de dividir e distribuir aquilo com outras pessoas. Nesse mesmo dia do break, a noite, fomos conferir uma peça de teatro: ‘’Galileo Galilei``. O atores eram bons,os figurinos eram excelentes e a história fluia, sem muitos nós que fizessem o enredo ficar arrastado. O incrível do teatro é como os personagens falam bem. É óbvio, eu sei, que uma das características principais das artes cênicas é a fala pausada e clara, em alto e bom som. Contudo, quando você está aprendendo uma outra língua, isso fica ainda mais evidente. Pensando nisso, eu listei mentalmente quais pessoas são mais fáceis de compreender em casteliano. Primeiro vem os personagens, teatro na frente depois o pessoal da TV. Aí vem os professores, que tem uma dicção excelente. Crianças são as próximas. Não por terem uma fala limpa, mas por falarem coisas pouco complexas, meio bobas, que são bem simples de entender. O resto da população empata agora, exceto pelos adolescentes (como meu ‘’irmão`` Rodrigo, aquele que me bate) e por alguns universitários. Todos falam muito rápido, cheios de gírias, puxando um R que não existe e engolindo palavras. Aí fica impossível traduzir. Fica pra eles o troféu ‘’Han?!?``. Seguindo a onda de listar coisas, aproveito para fazer um panorama financeiro de quanto custam as coisas em Asunción, fazendo um comparativo com Belo Horizonte (Covivendo com as meninas de outros lugares tô descobrindo que BH é muito careira). Na lista das coisas mais baratas temos : aparelhos celulares, máquinas fotográficas, xerox, passagem de ônibus, entradas de baladas, roupas e sapatos (a maioria), tratamentos de beleza, batata Pringles, Iogurte,McDonalds, cinema, refrigerante, cachaça, remédios, tênis, cantadas (hehehe). Na lista de coisas com o mesmo preço temos os cigarros, as bebidas e petiscos em bares e baladas, CDS, material de papelaria, taxi. Agora os mais caros: chocolate, sorvete, livros, frutas, verduras, legumes. Pronto! Taí um manual básico de preços. Como podemos observar, aqui é mais barato que BH. Entretanto, os itens mais caros são os que eu mais consumo, então acaba que nem fica tão mais barato assim.

Esse final de semana não deu pra sair. Na quinta-feira eu sofri um pequeno acidente, devido a minha natural total falta de equilíbrio, e levei um super capote. Ralei os dois joelhos, machuquei meu tornozelo e tô com a perna super inchada e dolorida. No dia eu não dei muita bola pra tudo isso e fui bailar salsa num bar super bacana, com banda e tudo mais. Depois da salsa, como não tinha ônibus pra voltar pra casa naquele horário, fomos pra uma outra balada ali perto, que tocava reggaeton (como qualquer lugar) mas também muita música boa e, inclusive, tocou Los Hermanos e Mamonas Assassinas, que só a gente soube cantar! Enfim, quando pegamos o ônibus era cinco da matina e minha perna começou a apitar, doer muitão. Quando desci do coletivo, mal conseguia andar e ao chegar em casa percebi o quanto a situação tinha piorado. Agora eu tô me castigando de propósito, pra ver se eu fico boa logo e volto pra vida bandida.

domingo, 9 de agosto de 2009

Paraguay Parte III ‘’I Speak mejor when...’’

É estranho como a gente se acostuma rápido com as mudanças. Nos meus primeiros dias aqui no Paraguay tudo me parecia muito novo, muito diferente. Agora tenho a impressão que moro aqui faz anos, que sempre falei espanhol, que conheço as ruas, os bares, as farmácias, as lojas da cidade desde criança. A minha casa então, nem se fala! Sei onde fica tudo, atendo o telefone, abro a geladeira de madrugada, fico zapeando na TV, levo uns socos do meu ‘’irmão’’quando fico enchendo o saco e bato papo com a cozinheira como se fôssemos velhas conhecidas. O meu quarto tem meu cheiro (se é que eu consigo sentir meu próprio cheiro), minhas coisas se organizam desorganizadamente de uma forma que eu consigo encontrar (quase) tudo, meu celular já guarda mensagens queridas, meu cotidiano começa a tomar um molde de rotina, com suas tarefas em seus devidos horários. Acho que assim fica mais fácil de passar os dias, que continuam correndo, tanto aqui como certamente em BH, loucamente...

O tempo aqui parece ter enlouquecido de uma vez por todas. A semana começou gelada, de bater queixo, frio demais da conta, nada fazia com que meus pezinhos saissem da temperatura de vinte graus abaixo de zero. No dia seguinte, já acordei com minhas cobertas no chão e semi nua, tinha me desvencilhado brutalmente de tudo, porque de repente, assim, do nada, fazia um calor miserável! Ficou assim uns três dias, camisetinha e tal, sem se preocupar em usar duas calças, três blusas, meia de lã e gorro. Foram três lindos dias de tranquilidade climática, temperatura quente mas nem tanto, um pouco de nuvens, nada demais. Uma beleza! Estávamos todos felizes climáticamente assistindo Simpsons (eu adoro Simpsons em espanhol) quando começou uma tremenda tempestade! Chuvão, ventos ameaçadores, aquele cenário básico de filme de terror. Agora o frio voltou, tá tudo úmido e a chuva não dá trégua. Assim não será possível! Vou ter que andar com um mega kit climático todas as vezes que sair de casa. Dizem que o tempo deve estabilizar. Espero que estabilize pro meio termo total, sem chuvas,sem ventos, com um solzinho de leve pra secar as roupas do varal.

Os sábados normalmente são os dias que mais temos coisas a fazer. Como ninguém tem aulas, costumamos marcar um bilhão de programas tudo no mesmo dia, sobrecarregando o pobre coitado! Chega sexta-feira e tentamos até pegar leve, ir com calma, porque sabemos que o sabadão tá chegando e , com ele, compromissos de saídas. O chato é que até agora, os sábados coincidiram de serem os dias mais feios, mais chuvosos, mais ‘’preguiça-louca-de-sair-de-casa’’, mais cara de domingão do Faustão (credo, isso que é ofensa pesada!). Mesmo com tudo isso, tentamos driblar o lado negro da força nesse dia e aproveitar. Sábado dia primeiro, por exemplo, teve um show na praça do governo. O cantor cubano Silvio Rodrigues iria cantar em homenagem às vítimas do Ycuá Bolaños (não sabe do que se trata? Leia os outros textos mais antigos), que fazem aniversário de morte nesse dia. Apesar da chuva, a população compareceu em peso, estima-se que dez mil pessoas foram lá, embaixo de chuva conferir a homenagem. Confesso que não gosto muito do estilo de música do Silvio, tenho aquela estranha impressão que ao ouvir uma música dele, já ouvi todas. Os temas são quase todos baladinhas tristes, a maioria usa umas metáforas com pássaros, sobre redescobrir o mundo e a si próprio. Todavia, foi bonito. E eu adorei ficar no meio da multidão paraguaya, gritando uns gritos de guerra bem legais: ‘’Hey cuba, el pueblo te sauda’’. Outra coisa engraçada foi a presença da chuva. De vez em quando vinha uma tempestadizinha e todo mundo abria os guarda-chuvas e ficava aquele toldo gigante por cima da multidão. Nessas horas era impossível assistir o show, olhar o homem, então ficava uma música ambiente, muito estranho. Passava a mini-tempestade e todo mundo começava a gritar pra baixar os ‘’paraguas’’, e ficava tudo normal de novo. Depois do concerto fui tomar vinho. O bom desse clima feio é que dá pra tomar vinho e dar baforadas de fumaça gratuitamente, coisa que eu acho muito chique, desde pequenininha. O sábado do dia oito de agosto, também foi frio, chuvoso e feio. Contudo, foi terrivelmente animado! Na UNA de San Lorenzo chegaram mais dois intercambistas: um francês e um chileno. O francês Gaspar decidiu dar uma festa na casa dele e convidou todo mundo! Só levar carne pro churrasco e caña pra caipirinha falsificada. Eu e as meninas ficamos responsáveis pelo goró .Levamos quatro garrafas de caña paraguaya (que é assustadoramente barata, mas ótima pra fazer caipi e não dá dor de cabeça nem nada), açúcar, limão e morangos congelados, que virou nosso ingrediente secreto (na falta de gelo, usamos o morango pra gelar!). O trago feito dessa forma foi batizado de Magdalena Gamarra, o nome da nossa administradora acadêmica. O tributo é porque a bebida é tão enlouquecedora como a própria e é ótimo que gera uma porção de trocadilhos infames divertidíssimos! A casa do Gaspar é super modesta, mas tem um quê de casa chique. Os tira-gostos eram requintados: amendoim, castanhas, etc e tinha muita carne e mandioca frita, aos montes. Tudo uma delícia! Os convidados eram estrangeiros. Brasileiros, franceses, chilenos, argentinos e alguns poucos gatos pingados paraguayos. Parecia uma festa da torre de Babel. As pessoas mudavam o idioma dependendo do grupo, apesar de rolar uma certa preferência ao casteliano. No caminho ao banheiro você podia ouvir vários gêneros linguísticos, o que era muito bacana e gerava situações bem engraçadas. Conheci um francês, o Richard, amigo do Gaspar que trabalha como fotógrafo na América Latina faz três anos. Estávamos falando justamente de como aquele churrasco de Babel era bizarro quando ele perguntou se eu falava inglês. Eu fiquei super animada pra conversar um pouco em inglês e descansar meu casteliano e disse que sim. Ele ficou super feliz e falou um monte de coisa, que eu compreendi perfeitamente. Quando fui responder , lancei um: ‘’I Speak mejor when...’’, que comprovou que falar e compreender três línguas em uma festa ainda está fora do meu alcance. E tenho a impressão que aqueles que dominam isso, acabam não falando nenhum idioma direito. Como exemplo temos o Jefferson. Jefferson é brasileiro de Niterói, vive em Asunción a quase dois anos trabalhando como jogador de futebol e namora uma francesa de Paris. Jefferson não fala um espanhol muito bom e quando falamos com ele em português ele responde em portunhol, como se tivesse desaprendido nossa língua. Não sei se o rapaz estava fazendo graça, mas me passou a impressão que não sabe falar bem espanhol, francês (ok, eu não falo francês, mas suponho que ele também deve ser só enrolação) e muito menos português. Jef é um caso interessante de poliglota desidionomado, pela minha definição livre.

domingo, 2 de agosto de 2009

Paraguay Parte II ''lave sua roupa e não vá presa''

A faculdade de Filosofia da UNA (Universidad Nacional de Asunción) é pequena. De dia funciona um centro chamado colégio experimental Paraguay-Brasil. Uma escola de ensino básico, fundamental e médio. O projeto arquitetônico original da construção é do Niemayer, mas com o passar dos anos, repinturas, adaptações e puxadinhos descaracterizaram o prédio, deixando ele com uma cara de prédio velho, sem muita graça. Todo o departamento de comunicação funciona em um corredor de uns 120 metros, com cinco salas de aula, uma coordenação e uma secretaria. Bem modesto. Na coordenação tem um computador capenga, duas mesas com papelada,uma secretária simpatiquérrima, que sempre me serve café ralo e Miguel, o coordenador ‘’estrelinha’’ (termo de Lujan, uma paraguaya querida). A minha primeira aula foi de Realidad Social Paraguaya, uma matéria que faz parte do currículo do terceiro ano. Como estamos em julho, pego tudo com o bonde andando, já que as aulas começaram no início do ano. O professor, muuuuito simpático e bem humorado, começa a aula chamando atenção da turma, que está numa falação terrível. A piadinha utilizada não foi muito diferente das que ouvimos no Brasil, quem faz comunicação costuma ouvir sempre a mesma coisa: ’’sé que hacen comunicación, pero se comunican demasiadamente....así no és possible’’. A turma acha graça e aos poucos vai tranquilizando, parando de falar. A aula rende,o professor entrega provas, e lança uma nova temática. Consigo esboçar várias anotações no meu caderno e fico aliviada de ver que consigo compreender com facilidade o que é passado. O tema do dia é a reforma agrária paraguaya, que é caótica, desorganizada, injusta e prometida a anos. Sempre a mesma ladainha. Me lembra a reforma de um certo país que começa com B.

Na frente da faculdade tem bares para tomar cerveja, que estão sempre lotados de universitários. Riccardo diz que as pessoas saem de casa para ir ao bar e, caso fiquem entediados ou faça muito frio, entram pra assistir aula. Também tem uma barraquinha boa pra fazer lanche e tomar café. Tudo bom e barato até não poder mais. Paguei em um hamburguer, com salada, maionese, queijo, nada mais que 3000 guaranis, que é o equivalente a R$1,40. Ah....em Belo Horizonte não se come bem com tão pouca grana! Comer bem aqui no Paraguay é absolutamente relativo, pois a comida tem sido meio problemática até o momento. A base da alimentação parece com a brasileira: tem arroz, mandioca, pão, carne em todas as refeições. Feijão não tem. Ter até tem, mas é estranho, sem tempero, sem caldo, sem gosto de feijão. Infelizmente, cometem um assassinato ao melhor ingrediente que uma cozinha pode ter. O modo de preparar as coisas parece se guiar pela lógica de ‘’quanto mais óleo, melhor’’. Tudo é oleoso. O arroz, a carne, o frango, os molhos, o macarrão. Para requintar ainda mais o projeto de comer tudo de forma extremamente não-saudável tem as saladas, ou melhor, não tem saladas. Até agora não vi salada bonita na mesa, no prato de comida. Oposto do meu dia a dia em BH, onde comia salada, muuuuuita salada todos os dias. Tem mandioca, arroz oleoso, purê de batata, carne e....só. Meu intestino estava a beira de um colapso nervoso quando fui jantar com uns amigos e me deparei com a maravilha no cardápio: ensalada mixta.Sei que fiquei salivando loucamente enquanto esperava a melhor refeição do mundo: uma salada. E foi realmente maravilhoso. Agora me deu até um baque de nostalgia, mas vamos tentar prosseguir. Apesar de meu ódio à ausência de feijão e de saladas, nem tudo é decepção na gastronomia paraguaya. As empanadas (já citadas anteriormente) são gostosas, as chipas são boas (dizem que é pão de queijo, mas acho que nunca foram em Minas Gerais pra saber o que é pão de queijo), a mandioquinha frita com alho...hummm, bão demais! As sopas são saborosas, os doces são bem bacanas (tem uma rosca recheda com doce de leite que benza Deus) e nos bares podemos encontrar petiscos deliciosos, que fariam bonito no Brasil também. Na parte de bebida tampouco é problemático, tem bebidas bem gostosas, a cerveja Pilsen daqui, é bem melhor que Skol, Sol e Itaipava e tem opções variadas de refrigerante. Abacaxi, maçã, pomello, etc. Tudo muito interessante para misturar com vodcka.

Aqui na pensão, minha casa, recebemos mais quatro brasileiras. Babita mi amor (Bárbara de São Manoel, SP) que faz pedagogia, Vanessa e Juliana (Curitiba e Sampa capital) que fazem letras e Morgana (Santa Maria) que faz História. Todas irão frequentar a mesma faculdade que eu. Não só a mesma faculdade como o mesmo banheiro, o mesmo quarto, a mesma sala, bem provavelmente as mesmas baladas. Mudamos para um quarto fora da casa, no quintal. É um quarto grandão, com geladeira, pia, banheiro e internet no ar (huhu!). A idéia é deixar a gente com mais privacidade, podendo chegar tarde sem incomodar mi mamá. O que parece plausível, visto que no primeiro dia em que sai pra balada cheguei nada menos do que as 7 horas da manhã e tive que tocar a campainha. Fiquei constrangida, mas Cáti nem se importou e reforçou que eu faria o que eu quisesse aqui, contanto que: ''lave sua roupa e não vá presa''. Acho que conseguirei cumprir com as duas coisas. Agora teremos chave, o que facilitará muito a nossa vida. Pelo menos eu acho. Também creio que será mais econômico assim, morando nós cinco. A gente faz uma boa compra no início do mês e ponto acabou. Tem também uma outra questão: é bom ter meninas para conversar, para experimentar coisas juntas, trocar idéias e coisas e poder se apoiar, poder confiar. Poder falar um pouquinho de português no fim do dia, mesmo com um sotaque estranho, castelianado. O pacto é a gente se ajudar, se cuidar, sermos família. Aqui, é fundamental ter uma família...mesmo que seja assim, de mentirinha.

segunda-feira, 27 de julho de 2009

Paraguay Parte I ''no fundo, no fundo é tudo a mesma coisa''

“São 12 horas e 20 minutos. Sejam bem vindos a Asunción,a temperatura marca 16 graus. Por favor, os passageiros que não forem desembarcar, permaneçam em seus lugares. O uso de celular e outros eletrônicos não estão permitidos. Obrigada por voar conosco e tenha uma boa estadia.’’
O chegar ao chão fez minha barriga dar mais duas pontadas agudas e me sinto meio enjoada. Boxe dentro do estômago. Minha tosse deu uma piorada e sinto que tenho gripe suína. Fico com medo de ser barrada logo na entrada. Menti em todos os quadradinhos do ministério da saúde Paraguayo, que tenta evitar que pessoas infectadas como eu, entrem no país.
Na chegada tudo normal, exceto o pavor de não ser buscada no aeroporto. Para minha surpresa geral, é exatamente isso o que acontece. Contudo, porém, todavia, encontro o coordenador acadêmico da agronomia e engenharia florestal, que se disponibiliza a ligar pra Sra. Magdalena e me arrumar uma moradia provisória. Vamos eu, Gabriel e Danilo, dois meninos simpáticos do Sul do Brasil. No carro tenho minhas primeiras impressões sobre o Paraguay. Fidel, o coordenador, é extremamente bem humorado e bebe tererê enquanto dirige, sem se preocupar de não ter mão alguma segurando o volante e sequer usa cinto de segurança, mas tudo bem. O tererê roda os três dentro do carro e chega a mim. Dou um golinho por educação, mas faço uma caretinha inevitável. A bebida é surpreendentemente gelada e absolutamente amarga. Fidel faz uma piadinha e todos riem. Danilo fala espanhol com desenvoltura,tranquilamente. É diferente do Gabriel, que arranha um portunhol tosco, falando português com sotaque. Eu prefiro ouvir mais e falar menos, observar mais e falar menos, é tudo muito novo, meio complicado de ficar dando pitacos. Ah! Minha gripe suína magicamente sara no caminho pra San Lorenzo.
Na estrada tem outdoors com propagandas Paraguayas, muitos carros velhos, muitos deles estão absolutamente destruídos, caquéticos, e a maioria sequer tem placa. Os ônibus são lindos. São velhos, meio caindo aos pedaços, mas exibem lindas pinturas na lateral, com caligrafias rebuscadíssimas e muitas informações pra o usuário, tudo extremamente colorido. O caminho que pegamos leva a San Lorenzo, cidade metropolitana de Asunción, onde fica o Campus dos meninos. O Campus é muito grande. Têm vacas, bois, ovelhas, árvores gigantescas, plantas diversas catalogadas. Os prédios são simples, na verdade os prédios são casas. Tudo parecendo meio interiorano, casinhas de tijolo pra tudo, inclusive a reitoria, a biblioteca, o restaurante universitário. San Lorenzo é uma típica cidadezinha do interior, apesar de ser do lado da capital nacional do país. Cachorros caminhando, crianças brincando no meio da rua, poucas ruas asfaltadas e aquelas que são de fato, asfaltadas, são esburacadas, com péssimo calçamento. Prato cheio para uma bagunça quando chove. Quando chove as ruas ficam cheias de poças gigantes e enlamaçadas.As lanchonetes (que vendem hamburguesas, milanesas e empanadas) e os butecos (que vendem cerveja, além de hamburguesas, milanesas e empanadas) fecham. As lojinhas com acesso a internet param de funcionar (já que a internet cai) e a cidade parece uma cidade fantasma, em dia de feriado ou sei lá.
Os universitários daqui parecem muito com os universitários brasileiros, acho que no fundo, no fundo é tudo a mesma coisa. No primeiro dia fui a uma feira rural gigantesca (importante lembrar que estou vivendo com agrônomos...o pessoal me chama de ‘’ la periodista rural’’). Nunca vi uma feira tão enorme. Tinha dezenas de galpões expondo bois de marca tal, vaca de marca tal, cabritos de não-sei-o-que-lá. Stands de tudo quanto é coisa, de marca de caña (cachaça) com degustação a jóias, tratores, roupas,móveis, tecidos. Além de stands educativos, sobre hidrelétricas, cursos, apicultura, ervas medicinais, etc,etc,etc. Essa feira era inverossímel! Foi aí que tive o primeiro contato com os universitários, que montaram um stand do curso deles e ficavam lá, gorozeando e conversando num espanhol frenético - ‘’nosénoséquemésjajajajaajnosénoséquemásjaajja’’.Tentar acompanhar a conversa desse povo foi terrivelmente complicado, até Ezequiel, o argentino que mora conosco, teve que concordar que eles pareciam drogados com ecstasy, hablando muy rápido. Quase no final da feira, mais ou menos umas 22 horas, o pessoal fechou o stand com uma fita, trouxeram empanadas (que é tipo um pastel, mas costuma ter ovo e é mais pesado) e coca cola e um rapaz foi lá na frente e danou a falar rapidão, um monte de coisa. Eu fiquei lá, enrugando minhas veias da testa para tentar decifrar o que o cara dizia quando reparei que ele estava nos homenageando, agradecendo nossa presença no Paraguay e desejando coisas boas. Depois uma menina fechou o discurso falando como era importante que países vizinhos fossem amigos (isso eu entendi) e etc e tal e convidou todo mundo pro lanche. Sei que eu estava ali de bico, que não era exatamente direcionado pra mim, mas me emocionou muito ver que eles tiveram essa delicadeza, de fazer uma festinha de boas vindas, de fazer um discurso rapidão, de querer fazer com que fiquemos a vontade no país deles. Ponto pro povo paraguayo.
Asunción é uma cidade grande. A capital federal e maior cidade do país. Uma cidade-estado. Aqui também tem problemas de calçamento, drenagem, violência e miséria, um bocado de miséria. Asunción não é voltada pra o turismo e muito menos tem aquele ‘’quê’’ para inglês ver. É estranho que, apesar de ser a capital de um país, Asunción não tem muito movimento. Fora os horários de rush, é tudo muito calmo, parado. Sábado e domingo então...não tem nada, só tem movimento a noite e um pouquinho na hora do almoço. Isso acontece por dois motivos (acho): o primeiro é que moram poucas pessoas aqui. A maioria trabalha aqui mas mora nos arredores, pois é uma cidade cercada de outras cidades menores, que formam ‘’la gran asunción’’. O segundo motivo deve ser que as pessoas aqui são caseiras. Não existem muitos restaurantes, cafés, lugares para se comer fora. Estranhíssimo isso... caminhei sábado a tarde no centro da cidade e vi pouquíssimos carros e pessoas. Como uma cidadezinha do interior.
O rio Paraguay forma a bahia onde a cidade se desenvolveu. Atravessando o rio é possível conhecer os chacos, que, segundo Riccardo, um amigo-guia, não passam de pasto, pasto e mais pasto, com alguns vilarejos indígenas. Perto do rio é onde cresceram as favelas, bem parecidas com as favelas brasileiras, exceto que são planas, não estão em morros. O palácio do governo , muitíssimo bem policiado, fica em uma praça que beira o rio também, além do velho congresso, que tem uma história muito curiosa. O prédio do congresso era um prédio antigo, muito bonito, cheio de detalhes arquitetônicos ricos e coisa e tal. Em um belo dia, houve uma das muitas revoluções populares, só que esta em especial tinha apoio dos militares. O povo chegou para protestar com um pequeno tanque e acabaram atirarando no telhado para amendrontar os políticos. Não só amendrontados como simplesmente apavorados, os congressistas decidiram que aquele prédio não era mais seguro para se trabalhar e exigiram a construção de um novo lugar, uma construção suntuosa e ultra moderna que não combina com absolutamente nada em Asunción.Parece mais uma nave voadora, muito tosco. Muitas construções da cidade remetem às suas guerras e revoluções. O fracasso do país na guerra da tríplice aliança (que nós chamamos de guerra do Paraguay), por exemplo, marcou bruscamente a cultura deles. Riccardo diz que as cicatrizes são ouvidas nas canções populares, folclóricas. É tudo muito melancólico, arrastado, triste mesmo. Ouvindo as músicas dá pra notar: são doloridas, muito pesadas. Andando pelas ruas, reparei que vários postes tinham cartazes que estavam em luto, exigindo justiça, indignados. Me explicaram que se tratava da tragédia de Ycuá Bolaños, uma história muito louca. Em agosto de 2004, aconteceu um gigantesco incêndio em um hipermercado de Asunción, chamado Ycuá Bolaños. Os donos do lugar, ao invés de simplesmente liberarem a saída de todos (o que deve obviamente ser feito em uma emergência), fecharam as portas, para evitar que houvessem furtos. Resultado: quatrocentas pessoas morreram queimadas e/ou pisoteadas dentro do supermercado. Desde o incêndio, sobreviventes e familiares brigam na justiça para serem indenizados e para que os responsáveis cumpram pena. Até agora, parece que nenhuma justiça foi feita.
A pensão da Sra. Cáti, para onde me mudei, mais parece um cenário de novela. As paredes são decoradas com pratos pintados e panos de prato, além de flores de plástico e porta retratos com fotos de família. Um monte de gente num entra e sai danado, quase trinta pessoas dividindo uma mesma casa, cada qual com seus porquês de estar aqui, no Paraguay. A grande maioria são brasileiros que vieram fazer mestrado ou doutorado na Universidad Autônoma de Asunción, uma faculdade particular que fica a uma quadra daqui. A Sra. Cáti e sua família -- filho, filha, marido e genro – recebem a mais de dez anos pessoas de diversos países dentro de sua casa com comida, televisão,água quente, internet e, é claro, o maior carinho do mundo. No dia que cheguei era hora do almoço. Cáti, que é chamada respeitosamente de ‘’mamá’’ por quem fica aqui hospedado não se encontrava. Só havia um argentino em casa e eu não fazia idéia de como aqui era uma loucura nos horários de pico. Uma bagunça, uma gritaria, um caos generalizado. Segundo mamá me explicou,o mês de julho, juntamente com janeiro é quando tem mais pessoas por aqui. O mestrado e o doutorado na UAA funciona assim: de seis em seis meses os alunos vêm, estudam um mês ou dois e retornam para casa. Quando digo que devo ficar seis meses direto estudando aqui, as pessoas levam um susto, acham que enlouqueci. A minha primeira manhã aqui faz muito frio, três ou quatro graus. Acordei com Lorena, uma peruana que divide quarto comigo, arrumando sua mala para ir embora, depois de seis meses morando aqui. Mamá estava sentada na beira da cama, fazendo rolinhos de roupa e palpitando que ela havia comprado muita coisa, que não iria caber tudo, que ia exceder o peso e depois reclamava que iria sentir saudades. Quando me viu acordada, observando, mamá abriu um sorriso gracinha e disse:
- Haces frio...es seguro, amor!
E pegou uma coberta que sobrava na outra cama e me cobriu, além de dar uma apertadinha no meu pé. A cena me lembrou muito a minha casa. Dudu arrumando a mala da Nina, eu fazendo umas piadinhas bobas e aquela coisa... bem família, calminha, gostosa.

terça-feira, 19 de maio de 2009

UHU!


É com muita satisfação que informo que eu cheguei aos meus 21 anos, apesar de todos os pesares. 
Sendo assim, acredito plenamente que devemos celebrar essa data, com uma boa baladinha de leve (sabemos, é claro, que a expressão "de leve" não passa de um eufemismo, pra não assustar os mais recatados). 
A festa vai acontecer na minha casa (rua cláudio manoel 518, esq com prof.moraes), dia 29 de maio,sexta feira, 21 horas. Como eu ando meio falida... irei cobrar 15 conto pra ajudar no goró e cia. O "ingresso" garante cerveja, drinkizinhos,comida,cerveja,música boa, gente legal e bonita, mais comida e cerveja. 
Espero a confirmação e o pagamento até dia 27, quarta-feira. 
Qualquer coisa....disque 8458 5398!
beijos,
Lu


2 Observações IMPORTANTES: 
Levar dinheiro pro caso do goró acabar!
Tem um mapinha mais pra baixo aí no blog mesmo... pros cegos em tiroteio de plantão.