quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Paraguay Parte IX: ''morrendo de orgulho de mim mesma''

Em teoria, nós estudantes de intercâmbio temos que ter um visto de estudantes para justificar nossa permanência no país. Contudo, não é bem isso o que acontece. Como o processo de tirar um visto é complicado, burocrático, lento e, principalmente, caro, os estudantes acabam criando um outro mecanismo muito simples de se manterem legais aqui no país. A gente pega um ônibus, sai do país, carimba o passaporte e volta.Grande parte dos brasileiros elegem Foz para fazer essa proeza. Quando eu fui até lá eu podia ter feito isso, mas o coletivo que eu e Rô tomamos pra voltar pro terminal rodoviário em Ciudad Del Este não parou na Aduana, passou direito, assim que não selei os meus documentos. O jeito foi encontrar outra fronteira básica pra atravessar. Escolhemos Clorinda, a cidade Argentina mais próxima. Chega a ser ridículo. Você toma um coletivo de 2100 gs para chegar à avenida onde você toma um outro ônibus de 5000 gs. Ou seja, você vai para outro país em uma hora e gasta o equivalente a R$3,50 (um pouco menos). O chato é que Clorinda não tem nada. Chegamos na fronteira, pegamos uma caroninha até o centro da cidade e almoçamos. Depois ficamos vagando no ‘’nada pra fazer’’. Todo mundo parecia estar mimindo e a cidade ficou esquecida durante toda a tarde. Parecia que só tinha a gente procurando alguém ou alguma qualquer coisa pra fazer. Nessa viagem o Dani não foi porque tinha que estudar. Assim que ele logo precisou fugir do país antes que vencesse seus 90 dias de turista espanhol. Como falei muito mal de Clorinda, que era uma cidade em vão no mundo, nos organizamos pra ir um pouco mais longe, em algum lugar que de fato tivesse algo pra fazer. A elegida foi Formosa, também na Argentina. A viagem é mais longa, três horas de ônibus. Chegamos em um domingo e nem pensamos em trocar pesos em Asunción, pois pensávamos em trocar o dinheiro na Argentina. Quando chegamos lá não havia nada aberto (só pra variar). Furamos nossos olhos com uma mulher que vendia chipas na rodoviária. O câmbio inventado por ela era absurdo, trocamos nossos guaranis como se peso argentino fosse real. Mas precisávamos ao menos ter dinheiro pra tomar um ônibus até o centro e achar um banco pra sacar dinheiro. Então tivemos que engolir a facada sem pestanejar. Formosa é uma cidade bonita. É banhada pelo Rio Paraguay e uma de suas avenidas principais, a 25 de maio é larga, com lojas, bares, restaurantes. Passeamos um pouco no centro e depois fomos para a Biósfera, que é uma reserva natural da Laguna Martin Garcia. É como uma praia, famílias fazendo piquenique, casais de namorados deitados na areia, crianças brincando na beira d’água, além de um cais rústico de madeira e barcos. Nesse cais vi o pôr-do-sol mais impressionante da minha vida. O sol tava com um tom vermelho escuro inexplicável e todo o cenário ajudava pra compor fotografias dignas de descanso de tela. Eu e Dani voltamos da biósfera de carona antes que os borrachudos decidissem carregar a gente de volta. Compramos a janta num supermercado e alugamos um quartinho pra passarmos a noite. O chuveiro do banheiro ficava em cima do vaso sanitário, causando uma bagunça. Problemas de quem precisa economizar a qualquer custo. Jantamos sanduíches de presunto, salaminho e queijo com coca-cola em cima da cama e depois saímos pra tomar uma cerveja argentina. A companhia de Dani é perfeita pra viajar. Não só pelo fato dele ser completamente bobo que nem eu e me fazer rir o tempo todo, mas também porque passa uma tranqüilidade incrível, como se nada nunca fosse perrengue suficiente pra ele. Com ele eu animava ir até o Haiti, a Bósnia ou qualquer outra péssima idéia, que com ele não parece tão péssima idéia assim.

Essa semana eu tive que apresentar um trabalho da disciplina mais bacana que faço aqui : publicidade. Em tese, eu devia apresentar esse trabalho em grupo. Todavia, meu grupo nunca me convidava para as reuniões, fingia não entender minhas sugestões e sempre que podia me deixava de fora, como ‘’não se preocupe, temos tudo sob o controle’’. Decidi então falar com o professor que eu faria sozinha, eu e eu mesma, todo o trabalho prático. A proposta era escolher uma marca (ou criá-la) e depois desenvolver toda a campanha, incluindo a tabela de custos (coisa que eu nunca tinha feito antes). Eu optei por criar uma marca de serviço de internet sem fio, ‘’Eurus’’ e desenvolver toda a sua campanha de lançamento, usando o Papa-léguas (aqui ele chama Correcaminos) como garoto propaganda. E, como eu tive esse problema com o grupo, tive apenas uma semana pra tudo (sendo que o normal era mais de um mês). O desafio me enlouqueceu. Passei a semana toda infurnada no computador desenvolvendo propaganda pra revista, banner em flash, spot pra TV, outdoor (esse último ‘’with a little help from my friends’’ de Belo Horizonte). E trabalho escrito e apresentação em powerpoint e ensaiava a argumentação, a defesa. Quando cheguei na aula para apresentar, tinha um outro colega que ia apresentar antes de mim, também sozinho, por algum motivo. O coitado era interrompido de dois em dois minutos pelo professor, que criticava, criticava, fazia cara feia e criticava mais um pouco. O Sr.Rúben Ovelar é o bambambam da publicidade Paraguaya, o cara que mais entende disso no país, que trabalha com isso desde que começou pequenininho por aqui. O meu coração disparando, o medo crescendo, a mão tremendo, as pernas bambas. Respirei fundo, mentalizei coisas boas, pensei que tudo daria certo e apresentei. No início gaguejei um pouco o espanhol, mas depois fui ganhando confiança no que eu estava fazendo, no que eu estava defendendo e deslanchei, perdi o medo. Apresentei sem travar e cheguei no fim. O professor ficou todo o tempo calado, no final fez uma pergunta sobre os custos, eu respondi com calma e ele finalizou, dizendo que o trabalho estava muito bom e que me admirava, pois sabia o quanto era complicado apresentar um projeto em outro idioma. A classe toda bateu palmas e depois várias pessoas , que nunca nem sequer tinham falado um’’A’’ comigo (essa turma é a que eu menos gosto, a mais fechada, talvez por estarem formando já) vieram me elogiar, dizendo que ficaram muito impressionados e tal. A sensação de missão cumprida é orgasmática. Voltei pra casa sorridente, igual boba, morrendo de orgulho de mim mesma.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Paraguay Parte VIII: ''batendo um frio na espinha''

Às vezes paro para pensar como será quando eu voltar pro Brasil. Voltar pro meu dia-a-dia, minha família, meus amigos, minha casa, meus gatos, meus butecos, minhas baladas de BH, minha faculdade, minha vida. Isso que é o mais estranho: ter a segurança que a minha vida é na verdade lá, não aqui. É óbvio que eu não acordo e me assusto todos os dias, pensando ‘’ondiéqueutô’’, mas eu tenho noção que esse quarto não é de fato o meu quarto. Essa não é a minha cama (eita colchãozinho maldito) e essa casa não é a minha casa. Outro dia despertei muito triste, pensando em como eu queria o colo de minha mãe, os conselhos de minhas meninas.Ao mesmo tempo tava me batendo um frio na espinha de pensar que tudo estava mudando e que eu podia voltar e estar tudo estranho, fora do lugar. Fui almoçar e Juli, uma peruana linda muito minha amiga veio conversar comigo e falou uma coisa muito verdadeira. Ela disse que certamente estaria tudo estranho, tudo fora do lugar, tudo mudado não porque as pessoas tenham se transformado, mas porque eu tinha me transformado completamente. Eu iria ser a ‘’mudada’’ da história. Pensando dessa forma, fiquei mais tranqüila, menos preocupada com o futuro. Medindo forças com a saudade do Brasil existe o outro lado da moeda, onde fica o medo de ir embora e deixar aqui tanta coisa que agora faz parte do meu mundo, faz parte de quem eu sou. Isso inclui, obviamente, meus amigos e amigas. Me dá até um aperto pensar na possibilidade de não ter minhas meninas daqui pra jogar conversa fora, falar bobagem. Não ter o Doug cantando sertanejo a toda altura pra me acordar, gritando um ‘’Luizaaaaaaa, você tá dormindoooo?’’ só para ouvir o meu mau-humorado ‘’Não mais.’’ Fora as meninas da faculdade, super carinhosas e preocupadas comigo…O Guille, doido, bobo, meu irmãozinho. Ou o Dani. Um espanhol incrível, companheiro diário de tonteria, que quero levar comigo pra casa. Daqui só restarão as lembranças, o carinho que tenho por essas pessoas lindas, que seguram minha onda, me fazem ter a certeza que faz algum sentido eu estar aqui. Aqui as emoções são super radicais, exageradas. Pela manhã você pode se sentir a pessoa mais sortuda e feliz do mundo e pela noite estar no fundo do poço, se achando a pessoa mais idiota. O mesmo acontece com as relações afetivas. É carinho, é desgosto, é paixão, é ciúme, é amor, é ódio. E ainda tem a vontade de vomitar certos sentimentos…de dependência (da faculdade, das pessoas), de intolerância, de choque com o diferente. O mecanismo de sobrevivência aqui nesse intercâmbio é louco. Ao mesmo tempo que impera o ‘’cada um por si’’ existe um bizarro ‘’um por todos e todos por um’’.

O Paraguay é o único país da América do Sul bilingue. Além do espanhol, seu idioma oficial, existe o Guarani, idioma nativo indígena que perdura até os tempos de hoje, apesar de todos os pesares. A colonização espanhola, que impôs o castelliano como idioma, somada aos vários anos de ditadura militar, que proibia o Guarani por temer conspirações contra o governo, enfraqueceu a proliferação da língua em todo o país. Contudo, o Guarani permaneceu sendo ensinado de geração para geração mesclado com o castelhano, em uma nova forma lingüística chamada ‘’Jopará’’. Guarani é complicadíssimo. Seu alfabeto conta com vocais orais, vocais nasais e várias consoantes duplas; como ‘’nd’’. O meu professor de Guarani, Daniel, diz que eu aprendo rápido, que se eu realmente quisesse falar, em dois ou três anos estaria fluente. A didática inclui guaranias (músicas populares cantadas em guarani) e poesias. O meu objetivo fica longe da fluência. A curiosidade é o motivo que guia as minhas aulas. A fonética estranha do Guarani gera uma aula de caretas, entorta-boca, grunhidos e gemidos. É difícil, mas vale a pena. E é engraçado quando descubro que tem alguma relação com algumas coisas em português. Por exemplo,a música ‘’sapo Kururu na beira do rio’’. Kururu é sapo em Guarani. Assim…’’Sapo sapo na beira do rio’’. Que música mais boba!

Outro post curtinho. Eu sei. Melhor que nada...