domingo, 29 de novembro de 2009

Paraguay Parte XI: ''Impossível não entrar nessa onda deles''

Algumas coisas complexas sobre o Paraguay e principalmente, sobre o seu povo, só começaram a fazer sentido para mim por agora, no final da minha aventura paraguaya. Acho que faltava algum paraguayo com sangue frio o suficiente para meter o dedão na ferida e falar deles mesmos com honestidade, sem firula, sem querer ficar competindo, contando vantagem para parecerem melhores ou sei lá que coisa (o que acontece com muitos por aqui). Esse amigo novo, o Ale, abriu a minha cabeça ao ponto de eu chegar em casa com um semi-desespero para escrever, coisa que eu não sentia já fazia algum tempo. Que a guerra do Paraguay foi aquela doideira covarde nojenta todo mundo sabe e reconhece. Temos sorte de ter passado da fase em que ensinavam nas escolas brasileiras que devíamos nos orgulhar da chacina que fizemos. Alguns relatos sobre a guerra dizem inclusive que o exército paraguayo (que praticamente já não existia) em suas batalhas finais, com a finalidade de tentar barrar o avanço dos soldados da tríplice aliança sobre a capital, convocava crianças, lhes davam pedaços de madeira com algo pontudo na ponta e faziam barba e bigode de carvão neles para parecerem homens feitos. É difícil imaginar que loucura foi isso. O fim a gente já conhece. Morreram quase todos os homens, sobrando mulheres, velhos e crianças. O país, sem homens para procriar, começou a dar um valor absurdo aos seus machos, detentores da única possibilidade de repovoar a nação. Aí que começa o quilombo! Os paraguayos passaram a ser sultões das Arábias, cheios de mulheres que faziam de tudo por eles e para eles. Todo homem passa a ser fodão e a mulherada passou a cumprir o papel de faz-tudo dentro e fora de casa. ‘’Porque os homens são felizes assim, tomando tererê e vendo a mulher prover de tudo’’. Palavras do Ale, em forma de ironia, claro, que reflete algo que eu nunca havia digerido muito bem até agora: o forte machismo que fica pairando no ar por aqui. Isso vale inclusive pro comportamento em balada. É difícil algum cara ficar de troca de olhares, te convidar pra conversar, te pagar um trago (como eu estava acostumada no Brasil). A senha aqui é chamar pra dançar querendo chamar pra ficar. Se a menina aceita dançar está dizendo que sim, aceita dar uns beijos também. É a maior cilada pra quem é inocente e gosta de dançar. Outro reflexo da guerra na cultura do país é o modo ‘’kaigue de ser’’ dos paraguayos. Kaigue é uma palavra em guarani que quer dizer entediado, à toa, tranqüilo, acomodado. Depois de tanto sofrimento, de tanta guerra, a população ficou traumatizada. Simplesmente encheu o saco de tanta dor e violência. E passaram por um processo natural de ‘’paz e amor’’ que domina o modo de pensar do povo aqui. Isso, obviamente, tem seus dois lados. A tranqüilidade paraguaya diminui os índices de violência. Por incrível que pareça, devido à pobreza e tudo, os homicídios e crimes bárbaros não são freqüentes. Enquanto no Brasil desfilar com uma BMW é um convite pra ser roubado, aqui muito provavelmente você será invejado, nada mais. Você passa e ao invés de pensarem ‘’que belo carro, vou roubá-lo’’, pensam ‘’puta que pariu, que belo carro, muito doido!’’ e ponto. Claro que isso não é regra, mas faz certo sentido. A tranqüilidade também é gostosa porque o ritmo de tudo é mais lento, como uma cidade do interior, o que particularmente me encanta. A ‘’hora paraguaya’’ é sempre uma hora depois do combinado. E não é um stress, uma loucura, um pânico para cumprir horários, para dar conta de tudo (eu sei que em outro post eu assumi que a ‘’preguiça paraguaya’’ era uma das coisas que me irritavam, mas é bom entender que eu não tenho uma mentalidade tão inflexível assim). Contudo, a tranqüilidade também é cômoda, o que explica a ausência de uma organização popular forte para desenterrar o país da ditadura, por exemplo. Ale me explica que o golpe que tirou Strossner não teve nenhuma participação popular, exceto pela parte da festa pós-golpe. Ele lembra ( tinha onze anos na época) que foi uma ‘’farra...farra...e mais farra nas ruas da cidade’’. Em suas palavras, de novo. Outro exemplo é que todos os dias sai uma notícia que foi encontrada mais uma filha de Lugo perdida por aí e até o momento nenhum paraguayo, nenhuma alma revoltada se prestou ao trabalho de colocar uma faixa na frente do palácio do governo como ‘’Lugo, seu bispo sem vergonha!’’. Porque aqui, está tudo bem. Ninguém se importa e qualquer movimentação pode ser cansativa, ser violenta. E ninguém quer mexer com nada disso. O povo quer ter comida, estar bem perto de sua família e tomar seu tererê em paz, com calma, bem tranquilamente.

A instituição família está em um pedestal no Paraguay. A família deve estar sempre unida, almoçar juntos, se falarem todos os dias, etc, etc, etc. Sempre que conto a minha situação familiar caótica (pais morando em Fortaleza, irmãos em Sampa e eu sozinha em Belo Horizonte), o pessoal faz uma cara de espanto, de assombro, não conseguem entender como nos separamos e ainda somos uma família e somos felizes desse jeito. Para o paraguayo, só existe felicidade se você está sempre muito próximo de sua família. Essa valorização exacerbada implica que eu tenho que valorizar muito a minha família daqui. Até porque é impossível eu ficar apática com as demonstrações diárias escancaradas de amor e carinho, como presentes, abraços, conversas sinceras. Impossível não entrar nessa onda deles, de que faço realmente parte dessa família. Mesmo quando Dotti, meu ‘’irmão’’, me joga no chão e me imobiliza para me irritar, não posso deixar de ter a certeza que ele só faz isso porque realmente me considera sua ‘’irmã’’ e irmãos de verdade brigam, não tem jeito.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Paraguay Parte X: ''O medo aflito do fim''

Coisas que eu vou sentir falta do Paraguay...
• O idioma. Parece fácil mas não é!
• O almoço em família
• O tererê. O preparo, o ritual, o tempo todo, tão maravilhosamente viciante.
• A risada exagerada de Dotti.
• Meu nome pronunciado estranho.
• A ‘’atôisse’’
• As longas conversas com o Bê, no quarto, no terraço, na rua, em qualquer lugar.
• Os ipês-rosas.
• O lomito árabe.
• O prazer inexplicável de receber um telefonema do Brasil.
• A mandioca frita de 4000 gs no Brittania.
• As tilangas do reggaeton.
• A temperatura (no mínimo desafiante) do país.
• Os meus amigos e amigas.
• A minha família paraguaya.
• O Guarany, falado espontaneamente no meio de uma frase, normalmente em forma de insulto.
• O preço das coisas.
• O coletivo, cada um de um jeito, sempre uma adrenalina incrível.
• Pegar o ônibus em qualquer lugar, sem preocupar com ponto.
• A cachaça paraguaya...barata, boa e sem dor de cabeça.
• O álcool gratuito do Pirata
• As festinhas na casa do Adler!
• Simpsons em espanhol.
• Desenhar com o Tobias.
• Acordar com falação, barulheira e entra e sai.
• Os conselhos sentimentais de Julissa. ’’Nooooooo, Lu!’’
• O senso de humor do Dani.
• Ensinar português.
• A incrível leitura de cartas da tia Mirna
• O ‘’toc, toc, toc’’ do Doug no meu quarto
• A cerveja compartilhada mão-a-mão, gole-a-gole.
• As aulas de locução na rádio para tirar meu sotaque de português.
• A sopa paraguaya.
• O prazer de ser ouvida com curiosidade sincera.
• O prazer de ouvir com curiosidade sincera.
• O auto-conhecimento radical.
• O medo do começo.
• O medo da metade do caminho.
• O medo aflito do fim.