quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Paraguay XII ''quase como de repente, sem prazo determinado''

Sempre no fim de ano, no réveillon, temos mania de fazer piadinhas bobas com o fato do ano estar quase no fim. Coisas realmente sem-graças como ‘’essa é última vez que eu tomo refrigerante esse ano’’ ou ‘’ tomarei banho agora só ano que vem’’. Estou lembrando disso porque aqui estamos assim, como se fossemos virar o ano em poucos dias, e estamos fazendo tudo pela última vez, listando mentalmente quais serão os últimos respiros de Paraguay. A última ida à Ciudad Del Este (assumindo o meu lado sacoleira ), o último lomito árabe, a última ida no mercado quatro, no Asunción Super Centro (ódio desse lugar), na faculdade, a última saída com Dani, a última brincadeira com Tobias, a última ida de madrugadona ao mercadillo, o último acidente de percurso (que foi torcer o meu pé), o último post para o blog. Última semana, ainda mais assim, tão perto do natal, é uma correria danada. Deixei todas as compras que queria e tenho que fazer para última hora e agora estou tendo que me desdobrar pra dar conta de tudo. Hoje por exemplo fui me vacinar contra febre amarela, que preciso porque já faz dez anos que me vacinei. Assim, vence e eu posso ter problemas pra viajar. Sei que isso, que devia ser algo simples, acabou virando um stress. Cheguei no posto de saúde e me disseram que só vacinavam contra febre amarela nas segundas-feiras (quem intitulou a segunda como dia da febre?). A enfermeira me disse então que eu devia ir até o ministério da saúde. Depois de tomar o coletivo errado e parar em Luque (que é uma cidade perto de Asunción), tive que pegar outro busão até o ministério. Chegando lá, não tinha ninguém na recepção nem em lugar nenhum, fora um murmurinho que vinha do andar de cima. Um moço apareceu e perguntou o que eu queria e, depois de minha breve explicação, assumiu que eu tinha escolhido um dia ruim. Todos os funcionários tinham parado de trabalhar depois das onze horas para o almoço de fim de ano. Eu entrei em desespero, comecei a explicar que tinha que me vacinar de qualquer jeito senão não poderia viajar, etc e etc e tal e o homem disse então que ia ver o que faria. Eu estava a meia hora esperando quando apareceu um rapaz e me disse que eu não seria atendida se não subisse lá no almoço e fizesse uma ‘’greve’’ na porta da sala de vacinação. Segui seu conselho e subi. No andar de cima tinha uma mesa gigantesca improvisada, com umas cem pessoas almoçando e fazendo aquela farra. Simplesmente quase todo mundo virou a cabeça para me olhar quando apareci pela escada. Uma intrusa, uma paciente no lugar errado, na hora errada. Eu, claro, fingi que nem era comigo. Perguntei pra um cara que estava filmando a festa onde ficava a sala de vacinação e ele me apontou, meio sem entender. Quando estava indo em direção à tal sala, duas mulheres começaram a dizer que eu devia voltar outro dia, que ninguém estava trabalhando .Insisti no meu drama que tinha que tomar a vacina de qualquer jeito. Sei que na confusão apareceu um doutor e pediu para eu esperar um pouco na tal sala. Vieram duas enfermeiras-anjos que caíram do céu e me vacinaram, em exatos 4 minutos e me liberaram, sem perder o bom humor e voltaram para a festa, enquanto eu voltei pra casa. Exausta, mas aliviada (e vacinada!).
Falando em natal...é natal em Asunción. Enquanto eu percebo que chegou o natal pelas vinhetas da rede globo (hoje é um novo dia de um novo tempo...) os paraguayos devem perceber pelo início de vendas de presépios nas ruas. Em toda esquina tem gente vendendo presépios, de tudo quanto é tamanho e cor, com manjedouras feitas de madeira e palha. Também vendem uma flor muito esquisitona, oval e muito comprida, que chamam de flor de coco. O ‘’bicho’’ tem uma casca dura marrom meio aveludada e quando você passa a faca de um lado ao outro ela vai se abrindo aos poucos e revelando o seu interior, com um tipo emaranhado de trigo e um cheiro gostoso. Aqui todos dizem que esse é o cheiro do natal e em toda casa tem dessa coisa. Eu sei que parece uma coisa de outro mundo. Mas a verdade é que para mim foi mesmo. Nunca tinha visto esse trem na vida. Fui ver pela primeira vez quando trouxeram aqui em casa, somando com os outros preparativos natalinos. Na minha casa está tudo muito natalino. Árvore enfeitada, corrimão idem, sacolas dependuradas na parede cheias de presentes (tipo essas meias dos norte-americanos) , cestas recheadas na sala e presentes embaixo da árvore. Inclusive tem uma caixa lá, com meu nome e tudo. Pena que não estarei mais aqui, mas prometi só abrir no dia 24, igual uma boa menina.
Sabe quando pulamos muito tempo numa cama elástica e quando descemos dela parece que não sabemos mais andar? É esse o meu medo quando voltar pra ‘’vida real’’. Nós intercambistas sempre usamos o termo ‘’vida real’’ para remeter ao que deixamos para trás. Sei que parece estupidez, mas depois de tanto tempo fora, fico em dúvida sobre do que se trata o que deixei para trás. Tenho, inclusive, que fazer um certo esforço para recordar o que estava acontecendo por aquelas bandas quando eu parti e o que encontrarei quando voltar. Fora a reviravolta que anda minha cabeça e o meu coração com a idéia de amputar tantas pessoas assim da minha vida, quase como de repente, sem prazo determinado. Já foi um tanto quanto complicado deixar tantas pessoas queridas no Brasil, mas ao menos eu tinha a certeza de tê-las de volta ao regressar. Aqui já não existe nenhuma certeza. O ‘’a gente vai se ver de novo’’ é apenas a promessa do querer mesclada com o medo do nunca mais.

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